Textos

O ANTI-EVANGELHO DO BOLSOMARÇALISMO

“Admira-me que estejais passando tão depressa
daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro Evangelho”.
(Carta aos Gálatas, capítulo 1, versículo 6 – Almeida Revista e Atualizada).

O Brasil assiste atônito a um espetáculo caótico de proporções e consequências ainda desconhecidas para o futuro político  do país, nas eleições para a prefeitura da maior cidade brasileira.  O coach Pablo Marçal, com uma performance que transformou os debates televisivos entre os candidatos em freak shows, se viu catapultado para as primeiras posições das pesquisas eleitorais, desidratando os candidatos mais à direita, especialmente o centrista Ricardo Nunes (MDB), que tinha o apoio oficial do ex-presidente Jair Bolsonaro.  O fenômeno mobilizou o próprio Bolsonaro e seus filhos em ataques contra o coach, acusado de “dividir a direita” e de não ser, de modo nenhum, um representante legítimo do movimento conservador.   Todos os analistas políticos do país estão aturdidos diante deste fenômeno, e eu arrisco dizer que assim estão porque analisam o bolsonarismo e sua nova vertente, o marcalismo, com as ferramentas insuficientes da Sociologia e da Teoria Política.  Ocorre que o Bolsonarismo nunca foi um movimento apenas político, e há alguns anos defendo que ele deve ser analisado sob seus aspectos teológicos.  

Sim, o Bolsonarismo é uma religião.  E como tal deve ser encarado, tanto na sua concepção original quanto na sua corruptela “marçalista” (me ocorre agora, ironicamente, que Marcianismo era o nome de uma heresia influente no segundo século, entre 140 e 155, que defendia que Cristo era um deus bondoso distinto do Deus do Antigo Testamento. Para Marcião, as coisas não terminaram muito bem. Sobre Marçal, o tempo dirá).

Nos encontros bolsonaristas, como no CPAC de Balneário Camboriú, vendem-se bíblias autografadas por Bolsonaro, assim como nas convenções do Partido Republicano vendem-se bíblias autografadas por Trump – e isso para horror da direita neocon que era a face laica do partido de Reagan. 

O Bolsonarismo se tornou força política viável graças especialmente ao namoro do então deputado Jair Bolsonaro com a bancada evangélica, já nos idos de 2014, quando Silas Malafaia e Marco Feliciano lideravam comícios em Brasília  contra a PL 122, que tinha como relator o então deputado Jean Wyllys, que por antagonismo, tornou-se o principal divulgador de Bolsonaro. Foi a condição de opositor deste projeto de lei que abriu-lhe as portas dos programas televisivos como Superpop, CQC e Pânico, com absoluta liberdade para dizer impropérios chocantes e ferir direitos humanos verbalmente. O programa Pânico chegou a ter um quadro fixo em que um de seus humoristas ia às ruas imitando Bolsonaro, respondendo perguntas das pessoas com os absurdos mais alarmantes.  Tudo visto como blague, como piada.  

Hoje o Bolsonarismo está de tal forma infiltrado no pensamento religioso brasileiro que a massa protestante média, pentecostal e neopentecostal, considera que ser evangélico e ser de direita são sinônimos. Mas, ao invés de descrevê-lo como um “Outro Evangelho”, como a heresia que acometia os gálatas e foi censurada pelo apóstolo Paulo no primeiro século, o Bolsonarismo é, em essência e no fio condutor de sua jornada histórica,  um “Anti-Evangelho”. 

Explico.

Em 1974, Ulisses Guimarães lançou-se candidato à presidência do Brasil com Barbosa Lima Sobrinho de vice, na eleição indireta do Congresso Nacional que acabou elegendo Ernesto Geisel. Havia um receio no MDB de que a candidatura de Ulisses acabasse legitimando o candidato da Arena. Foi então que nasceu de um lance de genialidade política a ideia de ser o “anti-candidato”, um candidato que faria a denúncia do sistema antidemocrático do governo militar, o que abriu caminho para a redemocratização inevitável nos anos seguintes. 

O Bolsonarismo, tomando emprestado esse conceito, emerge na consciência brasileira não como um “Outro Evangelho”, como a heresia do Livro de Mórmon, mas como um “Anti-Evangelho”. 

O Messias dos Evangelhos começou sua trajetória pregando sua mensagem de amor nas cidades e povoados da Judéia, enquanto o Messias do bolsonarismo pregou suas diatribes de ódio e veneno social nas emissoras de televisão. 

Se Cristo pregou que seus apóstolos não levassem espadas nem alforjes, o Messias do bolsonarismo não perdia a oportunidade de fazer arminha com a mão, gesto que ensinava inclusive às crianças. “deixai vir a mim as criancinhas”…

Se Cristo disse “aquele que vem a mim, de modo algum lançarei fora”, Bolsonaro já lançou fora muitos Bebbianos, Queiroz, Roberto Jefferson e uma infinidade de outros. 

E onde fica Marçal nisso tudo?

Pois bem, no anti-evangelho do falso Messias, Marçal é o anti-apóstolo Paulo. 

Ele não teve nenhuma visão caindo do cavalo na Ásia Menor, ele “pegou o código” do Bolsonarismo e reproduziu sua estratégia, expandindo ainda mais a capacidade de propalar absurdos – o que, de certa forma, é um milagre às avessas. Só que, enquanto a chegada de Paulo em meio aos apóstolos não destruiu a unidade da igreja primitiva, Marçal, como bom anti-apóstolo, chega usurpando o Reino do Messias. Um pouco mais semelhante a outro personagem, que disse algo como “subirei às alturas, até o Trono do Altíssimo”. 

Dito tudo isso, não é de se admirar que São Paulo esteja produzindo sua própria versão do Apocalipse.

CLÁUDIO MOREIRA
Teólogo

1 Comentário

  • Otávio Augusto SARAÇOL PEREIRA 28 de agosto de 2024

    Muito bom o Artigo .Só não concordo que o Livro de Mórmon seja outro evangelho…O Evangelho e as doutrinas de Cristo são as mesmas em qualquer país que Cristo visitou e chamou Apóstolos seja na Índia , Irã, Etiopia , Armênia etc…Cristo e os Apóstolos visitaram inúmeros povos e não mudou sua mensagem. No Livro de Mórmon fala de um terceiro povo a ser visitado infelizmente não temos escrituras desse povo, mas oramos para que as Religiões trabalhem e descubram enterrados ou escondidas essas escrituras.
    João 10
    16 Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém conduzir estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um pastor.
    João 21
    25 Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; se cada uma das quais fosse escrita, suponho que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. Amém.
    Tessalonicenses 5
    19 Não apagueis o Espírito. 20 Não desprezeis as profecias. 21 Examinai todas as coisas; retende o bem
    3 NEFI 15 (Livro de Mórmon )
    21 E em verdade vos digo que sois aqueles de quem falei: Tenho também outras ovelhas que não são deste aprisco; também devo conduzir estas e elas ouvirão a minha voz e haverá um rebanho e um pastor.

    https://circulodeculturabiblica.org/2021/07/02/livros-desaparecidos/

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