A Bíblia nos informa que havia um culto muito sinistro do povo amonita: o culto ao deus Moloque.
Era um culto bastante perverso onde, nos rituais de adoração, havia atos sexuais, bebedeiras e sacrifício de crianças. O ritual consistia em aquecer a estátua metálica representativa desse deus colocando lenha em uma cavidade esculpida no ventre. Após a estátua estar bem aquecida, a criança era colocada nos braços ferventes da estátua, onde era queimada pelo contato com o metal quente. A Bíblia refere-se a essa ação com o termo passar seu filho pelo fogo (II Reis 23:10), remetendo a ideia dos praticantes desse culto como um ritual de purificação e de apaziguamento da ira desse deus malévolo. Houve mandamento expresso que proibia os judeus cultuarem esse deus em Israel, com previsão de pena de morte para quem desobedecesse essa ordem (Levítico 20:2,3), sendo essa ordem desobedecida variadas vezes durante a história véterotestamentária do povo hebreu, com farto registro bíblico.
Um dos mais proeminentes reis que desafiou a ordem bíblica foi Salomão. Este, em avançada idade, se envolveu com mulheres que adoravam outros deuses e por estas ele construiu diversos altares para deuses pagãos, dentre eles, um para Moloque (I Reis 11:7). Como consequência dessa desobediência, seu filho Roboão deixou de sucedê-lo no reinado das 12 tribos de Israel, sendo protagonista do grande cisma no povo hebreu, que foi a divisão do povo em dois reinos, o do norte e o do sul (I Reis 11:33-37).
O que isso tem a ver com os dias atuais?
Em todos esses anos como evangélico (quase 40 anos) e como pastor (mais de 25 anos), eu vi muitos erros na igreja evangélica. Vi grande parte da Igreja apoiando a candidatura de Moreira Franco no Rio, taxando Brizola de “comunista’ e “satanista”(fingiram desconhecer a criação cristã Metodista de Brizola) onde me recordo de folhetos com o rosto de Brizola estampado com chifres fazendo alusão ao diabo. Vi também grande parte dos pastores apoiarem Collor de Melo e depois de descobertas as inúmeras irregularidades e até relatos de rituais satânicos, desconversaram e não fizeram nenhuma mea-culpa. Os mais recentes apoios (FHC, Serra, Garotinho, Alckimin, Marina, Aécio) todos já sabem e não precisarei mencionar detalhadamente.
Nesses apoios que mencionei, embora tenha discordado da maioria das escolhas dos pastores, havia ainda espaço para uma pluralidade de ideias em que, os que não apoiavam, não eram reputados como “comunistas” e lançados para a “Sibéria” das igrejas, em alusão ao isolamento e ostracismo das vítimas do regime comunista da antiga URSS. Lembro que na igreja onde fui criado espiritualmente, uma denominação pentecostal tradicional, o pastor apoiou Collor (mas nunca expôs isso do púlpito) e o co-pastor apoiava Brizola em 1989, também nunca expondo isso do púlpito. Ambos mantiveram-se colegas de ministério e jamais soube de qualquer confusão na igreja em virtude dessas diferenças.
Também, nas igrejas tradicionais e nas pentecostais clássicas como as Assembleias de Deus, não havia apoiamento de púlpito para candidatos de eleição majoritária do executivo, quiçá nas igrejas reformadas. Isso era muito raro mesmo. Apesar de minhas profundas diferenças políticas com muitos pastores, diferenças estas sempre muito bem discutidas, não me recordo de nenhuma igreja que me proibiu de pregar ou de irmãos que não me recebiam em decorrência dessas diferenças. Eram tratadas apenas como diferenças.
Outro ponto importante a se destacar é que as escolhas políticas dos pastores nessa época eram por candidatos que apenas tinham ideias diferentes das minhas. Nunca reputei como maldosos pastores por terem votado em Collor, Fernando Henrique, Serra, Alckimin ou Aécio. Estas eram apenas escolhas diferentes das minhas. Também nunca vi estes mesmos pastores endeusarem qualquer um desses políticos escolhido por eles. Vi satanizarem alguns de seus adversários, mas jamais messianizarem suas escolhas. Tampouco, qualquer uma dessas escolhas falava em “fechar o congresso”, “pau de arara funciona”, “não empregaria mulheres com o mesmo salário de homem por que elas engravidam”, “se fosse eleito daria um golpe no mesmo dia”, “fuzilaria Fernando Henrique Cardoso”, “sou incapaz de amar um filho homossexual”, “bandido bom é bandido morto” dentre outras várias barbaridades como “tem que matar uns 30 mil” e “tem que sonegar imposto, pois eu sonego e aconselho que façam”. As escolhas desses pastores eram legítimas, dentro do regime democrático que acreditamos viver.
Chegamos em nosso momento atual, onde o candidato da vez dos evangélicos é este que disse todas essas frases acima. Esse foi o apoio mais inédito que vi em toda a minha história de evangélico e pastor. Dessa vez, não foi um apoio a uma opção política. Foi um apoio a alguém que claramente fazia alusão à morte, à violência como método e ao preconceito como cultura. Não era apenas uma opção em detrimento de outra opção. Era o voto em quem deseja a eliminação do contrário, do contraditório.
Em primeiro momento, essa opção radical poderia ser explicada (nunca justificada). A chamada “esquerda” foi governo nesse país por 14 anos. Nesse período, grupos radicais identitários conseguiram ter espaço em variadas instâncias de poder. Essa luta por direitos legítimos, travada de maneira bastante equivocada, criou uma guerra ideológica inútil, que não contemplava os problemas básicos do povo como renda, transporte, saúde, educação. Criou-se uma guerra cultural, onde de um lado os evangélicos eram reputados com a síntese do atraso e da burrice e do outro lado a “esquerda” era caracterizada pelo desrespeito à fé individual do povo brasileiro de maioria cristã. Soma-se a isso, os casos de corrupção escancarados, onde um dos réus confessos, ex-ministro Palocci, que comandou a economia do país, confessa que desviou cerca de 200 milhões de reais.
Esse embate de movimentos de esquerda contra a fé evangélica unida a decepção do povo com a continuação da política de alianças fisiológicas iniciada por FHC, os casos contínuos de corrupção decorrentes dessas alianças e a manutenção e aumento da concentração de poder dos bancos, causando a maior desindustrialização da história moderna de um país e consequente desemprego e desvalorização da moeda, trouxe profunda mágoa em todas as classes urbanas no país, fazendo com que o voto em Bolsonaro fosse visto como a única opção para tirar de vez o poder do partido da situação (que já não era mais de fato, em virtude do impeachment de Dilma). Nesse sentido, Bolsonaro foi visto como um voto da negação, e jamais da proposição. Ele era a síntese da “acabar com isso aê” tão falado por ele, sem jamais dizer o que colocar no lugar. Como eu disse, isso explica, mas jamais justificará. Veremos.
Essa opção geralmente conservadora dos evangélicos é sabida de todos. Nenhum político que defenda abertamente pautas de consciência (aborto, liberação de drogas, casamento homoafetivo) vai ter o apoio dos evangélicos. Isso é uma verdade inexorável. Mas, o mesmo deveria ser dito de candidatos que apoiem tortura, extermínio de criminosos, ditadura e ódio aos diferentes. Dessa vez não foi assim. A aversão até certo ponto justa ao partido que foi governo por 14 anos transformou-se em ódio. Esse ódio infiltrou-se de uma maneira tal no coração de grande parte dos evangélicos que fez com que seus olhos e suas consciências deixassem de enxergar e sentir seus próprios erros e pecados. Foi assim com Caim (Gênesis 4:6-8), onde o ódio pelo seu irmão o tornou cego a ponto de não perceber seu erro e matá-lo e assim está sendo com grande parte da igreja evangélica no Brasil.
Pois bem, estamos nos tempos atuais, onde uma mortandade causada por um vírus está assolando diversos países. Isso é um fato. Enquanto escrevo esse artigo, 165 mil pessoas morreram no mundo, sendo 41 mil no país que tem a maior economia do mundo, os Estados Unidos, e que também é o maior país evangélico do mundo. Diante dessa tragédia, o presidente eleito por ampla maioria evangélica prega o contrário de todo o mundo, afirmando que a doença causada pelo vírus é uma “gripezinha” e que a economia é mais importante que vidas humanas, em uma dicotomia que nenhum país civilizado no mundo se quer discutiu, por entenderem que vidas perdidas não se recuperam mas a economia sim.
Hoje, no exato dia em que escrevo esse texto, Bolsonaro saiu às ruas para fazer parte de manifestações que pediam a volta da ditadura e a implantação do AI-5, o ato institucional nº 5 que foi o ápice das medidas repressivas da ditadura, onde as liberdades individuais foram jogadas na latrina pelos militares que nos governaram. E no mesmo dia recebo em diversos grupos de evangélicos e pastores que eu faço parte, manifestações de apoio ao presidente, colocando-o como um enviado de Deus que veio para garantir a abertura das igrejas, que estão sendo fechadas por governadores comunistas como (pasmem) Dória (governador de São Paulo) e Comandante Moisés (governador de Santa Catarina, eleito na onda bolsonarista). Voltemos à Moloque.
O que fazia um ser humano atentar contra a vida de sua prole, de seus filhos, ao entregar um dos seus à morte como sacrifício a um deus ardendo em alta temperatura? Em vários desses cultos pagãos era comum a prática de orgias sexuais, regadas a bebidas com propriedades psicotrópicas e vinho. Na generalização em que Paulo e demais escritores neotestamentários tratam os praticantes desse rituais, o termo feitiçaria é o comumente utilizado. Na carta aos Gálatas, por exemplo, Paulo cita feitiçaria como uma das obras da carne (5:20). A palavra traduzida como feitiçaria é a palavra grega φαρμακεια (farmakia) de onde vem a palavra farmácia. Essa palavra foi usada para identificar a feitiçaria em virtude dos fármacos usados nos rituais e dos remédios produzidos com a finalidade de uma cura mágica de doenças e outros males. Com o torpor produzido pelas intensas orgias, misturado ao efeito de substâncias psicotrópicas, é possível compreender um pouco a frieza que permitia a entrega de filhos em rituais assassinos.
Esse mesmo torpor eu identifico nos evangélicos ainda seguidores de Bolsonaro. Estão sob efeito de um fármaco que foi e que está circulando em suas almas chamado ódio. O ódio tem o mesmo efeito da paixão. Ambos cegam. Estes cristãos estão tão evidentemente cegos que no mínimo se calam ante a estupidez assassina de um presidente que, contra todas as recomendações médicas do mundo, faz caminhadas nas ruas, adentra em comércios, cumprimenta pessoas, sendo ele um possível foco proliferador do vírus em virtude de ter estado na companhia de vários outros infectados na comitiva que foi para os Estados Unidos. Aliás, essa ação é vista como uma ação de fé e coragem de um homem “abençoado por Deus” e “ungido por Deus”.
A cegueira chegou no ápice quando evangélicos no Brasil todo atenderam ao apelo do presidente e de aves de rapina intitulados pastores que, próximos a Bolsonaro, proclamaram um jejum nacional pelo presidente. Falei sobre isso nesse vídeo. O atendimento a este apelo foi feito de maneira que os evangélicos arriscaram suas vidas indo para as ruas, se ajoelhando em chão que poderia estar contaminado para se oferecerem como libação, sacrifício, para Bolsonaro. Vários deles foram com crianças e se aglomeraram nas ruas, descumprindo todas as recomendações das autoridades sanitárias. Entretanto, por estarem com seus olhos cheios de escamas, completamente cegos, não percebem que esse sacrifício idólatra a um homem iníquo, filho de Belial, protegido por cães que se autodenominam “pastores” é na verdade uma oferta de seus filhos ao deus Moloque, deus este adorado por este presidente e pela farandula de pastores que o rodeiam.
Não entendem os evangélicos, por que estão cegos, que ao terem essa atitude idólatra, fanática e ignara na defesa de um homem e/ou de sua ideologia, seja ela qual for, estão arriscando e colocando a perder o futuro de seus filhos nessa terra. Apoiar um homem que defende porte irrestrito de armas, desmatamento de florestas e a rebelião às orientações das autoridades sanitárias em meio a uma pandemia é apoiar a morte e a entrega de nossas futuras gerações a um deus da morte, o deus Moloque, adorado por Bolsonaro em conjunto com seu panteão de deuses pagãos como Baal e Mamom. Assim ocorreu na Alemanha nazista, onde cristãos apoiaram e idolatraram Hitler, assim ocorre hoje no Brasil. Quem não entendia o fenômeno alemão, agora consegue entender. Basta imergir no meio evangélico.
Enfim, os evangélicos serão, de maneira generalizada e indiscriminada, responsabilizados, infelizmente, pela mortandade em nosso país. Tornaram-se oferendas de Bolsonaro ao deus Moloque a quem ele adora e serve.
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