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Coronelismo Gospel: A Crise Da Igreja Quadrangular

Coronelismo Gospel: a crise da Igreja Quadrangular

O adoecimento da Igreja Evangélica Brasileira, antes debatido apenas dentro da “bolha gospel”, agora se expõe de forma inegável para toda a sociedade. A combinação de liturgia egocêntrica, teologia coach e bolsonarismo gerou escândalos que extrapolaram os limites do segmento religioso e se tornaram pauta na imprensa geral. Apenas em 2024, vimos crises na Igreja A Casa (caso David Passamani), turbulências na Bola de Neve, questionamentos sobre liderança na Igreja Convergência e no Ministério Orvalho, além de disputas de poder na Igreja Batista da Lagoinha. Também assistimos à perseguição de nomes respeitados como Ed René Kivitz e Antônio Carlos Costa nos arraiais batista e presbiteriano.
Curiosamente, um dos casos mais graves dos últimos anos, envolvendo acusações de autoritarismo, violência e disputa de poder, tem recebido pouca atenção da grande mídia. Isso pode ser explicado pelo perfil discreto da denominação em questão nos meios televisivos e digitais. Prestes a completar 74 anos no Brasil, a Igreja do Evangelho Quadrangular atravessa um dos momentos mais desafiadores de sua história.

A Igreja do Evangelho Quadrangular e sua Estrutura
Para quem não está familiarizado, a Igreja do Evangelho Quadrangular é a quinta maior denominação evangélica do Brasil e a segunda maior entre as pentecostais clássicas, ficando atrás apenas da Assembleia de Deus. Com aproximadamente três milhões de membros – um Uruguai inteiro – seu modelo de governo difere das tradicionais igrejas pentecostais congregacionais, adotando uma estrutura episcopal – fruto, talvez, da origem da fundadora da igreja, a missionária Aimée Semple McPherson, cujos pais eram metodistas. Nessa configuração, igrejas locais são subordinadas a superintendentes regionais, que por sua vez respondem aos conselhos estaduais e, por fim, ao Conselho Nacional de Diretores. Embora as eleições internas existam, há quase três décadas a liderança nacional é exercida por um único nome: o reverendo Mário de Oliveira.

A Trajetória de Mário de Oliveira
Mário de Oliveira construiu uma biografia de destaque dentro da denominação. Evangelizou diversas cidades mineiras, enfrentou adversidades na implantação de igrejas no Rio Grande do Sul e chegou a ser detido duas vezes pela ditadura militar nos anos 1970, em Canoas e Uruguaiana, o que gerou mobilização entre fieis. Sua trajetória, frequentemente retratada em peças e vídeos produzidos pela denominação, enfatiza sua atuação como jovem missionário, encantando sobretudo os jovens, mas passa ao largo dos desafios e polêmicas de sua gestão enquanto líder nacional da Quadrangular.
Oliveira também teve uma extensa carreira política. Foi deputado federal por sete mandatos entre 1983 e 2013. Em sua última legislatura, se viu envolvido em uma investigação sobre um suposto atentado contra um ex-colega de parlamento, Carlos Willian, também pastor quadrangular. A investigação tramitou no STF, mas, com sua renúncia ao cargo, o caso retornou à primeira instância. Oliveira justificou a renúncia alegando razões de saúde, problemas que aparentemente não o impediram de exercer a presidência da igreja até a presente data.

Conflitos Internos e Censura
Ao longo dos anos, sua liderança encontrou resistências. Em 2018, entrou em conflito com o pastor Rinaldi Digilio, então presidente do Conselho Estadual da Quadrangular em São Paulo. Digilio denunciou Oliveira ao Conselho Global das Igrejas Quadrangulares por pregação de heresias, o que resultou na visita do presidente global Glenn Burris ao Brasil em 2019. A crise foi contornada com um pedido de desculpas público de Oliveira, permitindo sua permanência no cargo. No entanto, Digilio deixou a denominação, levando consigo centenas de pastores.
Em 2025, Oliveira sofreu um revés significativo com a saída do pastor Lourival Pereira, líder da maior igreja quadrangular do Brasil, a Catedral da Família, no Pará. Lourival expôs para sua congregação as razões de sua dissidência, apontando mudanças teológicas na direção nacional. A igreja votou por unanimidade a favor da separação e, por decisão judicial, manteve o controle sobre seus templos e patrimônio. Esse episódio rompeu um padrão histórico da denominação, que costumava afastar dissidentes sem lhes permitir manter o controle sobre suas igrejas locais.
Desde então, Oliveira tem endurecido sua postura. Foram divulgados vídeos de reuniões em que ele destitui superintendentes que tiveram qualquer associação com Lourival. O embate intensificou-se ao ponto de o Conselho Global, em fevereiro deste ano, divulgar um comunicado oficial sugerindo sua renúncia. Diante desse impasse, Oliveira pode optar por tornar a Quadrangular brasileira uma entidade independente do Conselho Global, mas essa decisão implicaria riscos significativos para a identidade histórica da denominação, podendo perder muitos pastores que tem vinculação afetiva com a história da igreja e de sua corajosa fundadora, a missionária canadense Aimée Semple McPherson.

Futuro Incerto
As pregações de Oliveira – quando não falam coisas bizarras como diálogo com caveiras e que Ananias e Safira não existiam de verdade – sempre enfatizam temas como honra, lealdade e obediência, valores que, para seus críticos, teriam mais a ver com o código de organizações criminosas do que com os princípios bíblicos. No entanto, sua permanência na liderança nacional parece incerta diante do crescente questionamento interno e das pressões externas. O futuro da Quadrangular, historicamente marcada por sua ênfase missionária, dependerá das próximas decisões institucionais.
Que os valores fundamentais dessa denominação possam ser resgatados, permitindo que seus pastores e membros vivam plenamente os quatro pilares que sempre nortearam sua fé: “Jesus Salva, Jesus Cura, Jesus Batiza com o Espírito Santo e Jesus Voltará”.

Cláudio Moreira é teólogo, jornalista, servidor público, escritor e pastor auxiliar da Comunidade Vida Abundante em São Gabriel (RS) – Egresso da Igreja do Evangelho Quadrangular.

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