AS ELEIÇÕES EM PORTO ALEGRE E O ANTIBOLSONARISMO COMO ELEMENTO DA BURRICE POLÍTICA
O segundo turno das eleições se define nesta semana, e a se confirmar o que dizem as pesquisas, Sebastião Melo (MDB), atual prefeito de Porto Alegre, deverá ser reeleito à prefeitura da capital gaúcha sem maiores dificuldades. Isso, meses depois de a cidade ter passado pela maior tragédia climática de sua história e de todo o Rio Grande do Sul, com enchentes que fizeram o Rio Guaíba arrastar quarteirões inteiros da capital, ceifando centenas de vidas e estabelecendo um ambiente de caos. Pois justamente quando se esperava que a esquerda se tornasse depositária de um sentimento justificado de mudança, os porto-alegrenses inclinam-se a dar 55% dos votos ao atual prefeito, conta 40% que pretendem votar na veterana deputada federal petista Maria do Rosário.
Em vez de buscar entender as razões de tamanha rejeição, aqui e ali já se escutam entre os “CidadeBaixers” (o equivalente gaúcho dos “Lebroners”) manifestações de repúdio ao povo – “essa massa ignorante, burra, antipetista e pentecostal” – mais ou menos parecidas com o discurso dos habitués do apartamento de Paula Lavigne sobre o eleitor carioca após a vitória de Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio contra Marcelo Freixo em 2016. Além da insistência do PT gaúcho em nomear como candidata uma figura política com um alto índice de rejeição – o maior entre todos os candidatos de todas as capitais brasileiras – quais outros motivos explicam que a população de bairros como Humaitá, que viram uma destruição sem precedentes nas enchentes de maio, estejam inclinados a votar em Melo, que tem o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro e uma vice do PL?
Para não embarcar em achismos, vamos a um estudo da cientista social Adriana Paz Lameirão, mestre em Ciências Políticas da UFRGS, ao qual tive acesso graças à generosidade do estudioso e analista político da capital, Alexandre Cruz. Segundo ela, durante a enchente, enquanto os políticos de esquerda estavam ativos nas redes sociais, criticando a gestão de Sebastião Melo por falta de investimentos nos diques e sistemas de contenção, políticos de direita e de centro, vereadores, empresários e igrejas evangélicas estavam nos locais inundados, oferecendo alimentos, abrigo, acolhida e resgate. Sim, havia cozinhas comunitárias e arrecadação de donativos fomentadas por cooperativas e entidades com viés de esquerda, mas normalmente estas ações eram feitas longe dos territórios afetados. É significativo que o petista mais influente visto nas ações concretas na periferia tenha sido o ex-governador Olívio Dutra, que aos 83 anos, não disputa mais eleições. Tornou-se meme da internet um vídeo de Maria de Rosário, perto de um bairro inundado, com tênis branco.
No pós-enchente, a rede de vereadores, candidatos, empresários e igrejas alinhados com a centro-direita foi ainda mais efetiva, arrecadando móveis, eletrodomésticos, materiais de construção civil e até mutirões de limpeza das casas. Era muito difícil para a esquerda falar mal e dizer que o povo havia sido abandonado, quando o morador da periferia via algo diferente.
A idéia de satanizar Melo como um simples “bolsonarista”, investindo na polarização que emburrece e deseduca politicamente, é insuficiente para a complexidade política da capital. Sebastião Melo, dentro do MDB, sempre foi da facção democrática ligada a nomes como Pedro Simon, Germano Rigotto e José Fogaça. Juliana Brizola, que ficou em terceiro lugar nas eleições deste ano para a prefeitura, foi vice de Sebastião Melo quando este concorreu a prefeito em 2016, e quando o “fascista” da vez era Nelson Marchezan Júnior, com o apoio ostensivo do MBL. Na época, até Manuela D’Ávila, do PCdoB, abriu voto para Melo no segundo turno. O mito de que o eleitor não tem memória se desfaz quando, oito anos depois, Melo é o grande fascista da vez para os que o aplaudiam naqueles tempos.
Na verdade, a esquerda está toda ela – do PT gaúcho ao PDT do Ceará, passando pelo PSOL e aliados em São Paulo – pautada exclusivamente pelo antibolsonarismo como único critério excludente, uma espécie de antipetismo às avessas. Ricardo Nunes, pintado como “monstro” na disputa pela prefeitura paulista, era até ontem chefe de Marta Suplicy, a vice de Boulos na disputa. Elmano, em Fortaleza, surge como o “grande democrata” apenas dois anos depois da onda de ataques e fake News contra Ciro Gomes, industriada pelos interesses do petismo. O militante lulista, confiando cegamente no layfare da Suprema Corte e permitindo aos ministros do STF os arreganhos que foram corretamente denunciados quando praticados por Sérgio Moro e pela Lava-Jato, imagina um futuro paradisíaco onde o bolsonarismo será criminalizado. Do mesmo modo que o PT não foi criminalizado no auge das denúncias de Moro e Dallagnol, não vai acontecer com o bolsonarismo agora.
Ou a esquerda aceita que a direita radical, hoje encastelada no PL, é um player político que veio para ficar e que os anos dourados de rivalidade com o PSDB não voltarão mais – ou seguirá patinando na compreensão dos fatores que levam camadas populares a se identificar cada vez mais com o conservadorismo – enquanto a esquerda se refugia na academia, na mídia e em certos estamentos do serviço público.
De nada adianta errar o passo nas campanhas eleitorais e se refugiar na crítica fácil – e enganosa – à presumida “ignorância” do povo. Luiz Carlos Prestes, diante de “diagnósticos” como esses, costumava dizer que esse é o povo que temos, e é com ele – jamais sem ele – que as mudanças sociais podem avançar.
Cláudio Moreira
Jornalista, servidor público, escritor e pastor auxiliar da Comunidade Vida Abundante em São Gabriel (RS).