Meditações

A Graça de Deus – Parte 03

Na luta contra o pecado, vocês ainda não resistiram até o ponto de derramar o próprio sangue”. (Hebreus 12:4)

Para mim, foi muito necessário entender e relembrar que eu devo depender do Espírito Santo e que este Espírito é todo suficiente. Nele eu tenho tudo o que preciso. Desfrutar da graça de Deus passa por viver nesse Espírito de maneira simples, dependendo dEle em tudo. No entanto, isso parece um pouco distante de uma realidade. Por ser muito simples, sem depender de organizações ou doutrinas ortodoxas, achamos que não deveria e não poderia ser assim. Isso é muito antigo. Lembro-me do dia em que chegou às minhas mãos um livro de Madame Guyon. Ela era católica nos idos de 1.664. Após perder toda a sua família entrou em uma busca insaciável à presença de Deus.

Sua experiência simples, incluindo até manuais para auxiliar pessoas que não sabiam ler, ajudou muitos a desfrutar de plena comunhão com o Senhor, através do que depois se chamou de “quietismo”, onde entendeu-se que o segredo de ter comunhão com o Espírito dentro de nós é o aquietar de nossa mente, de nosso interior. Isso é muito antigo. Infelizmente nós acabamos nos desviando dessa doce simplicidade e dando uma dimensão para estrutura que ela nunca deveria ter. A própria Guyon foi mantida na prisão por anos como herege por ter despertado a ira dos líderes católicos da França. Eles viram nela uma ameaça à sua hegemonia, baseada no clientelismo e no incentivo a uma dependência além do biblicamente correto nos padres e no sistema católico. Madame Guyon lembrou fórmulas simples de viver a sua vida com o Senhor, mesmo nos momentos em que você se encontra sozinho. Lembro de ter lido um livro dela quando eu tinha uns 17 anos. Como foi bom voltar àquilo que eu nunca deveria ter deixado. Vou detalhar melhor.

Eu havia perdido minha esposa e filha. Ambas morreram tragicamente no mesmo dia. Ficou eu e meu filho de cinco anos sozinhos, um com o outro. Larguei o ministério pastoral pois não tinha a mínima cabeça para suportar sequer viver, quanto mais pastorear uma igreja. Fiquei como membro comum na igreja, ajudando e servindo nas coisas básicas, aquelas que ninguém quer pois não são vistas. Eram essas que eu queria pois desejava ficar bem escondido mesmo.

Certo domingo eu fui chamado a fazer uma tarefa diferente da que eu estava habituado a fazer. Um irmão chegou pra mim e disse com muito carinho: “Alexandre, hoje precisamos de você com as crianças. São muitas e alguns irmãos faltaram. Faça o lanche rapidinho e depois venha aqui para o auditório”. Apressei-me em fazer o lanche, embora naquele dia era um lanche bem fácil. Era waffer com tang de laranja.

Era só abrir os pacotes de waffer, colocar em umas tigelas de plástico; depois pegar duas panelas bem grandes de água gelada, jogar o pozinho mágico de laranja e colocar nos copos em cima da mesa. Fiz bem correndo e fui atender ao chamado dos irmãos. A tarefa era simples: ficar sentado ao lado das crianças a fim de que eles não se distraiam umas com as outras e ajudar na recreação. Quando eu estava sentado perto de uma rodinha com umas crianças eu prestei bem atenção em uma conversa deles. Um deles estava falando que a mãe sempre ia a uma oração de manha na quadra do colégio da comunidade. Ele disse que a mãe o levava quase sempre. Ao ouvir aquela conversa senti um forte desejo de estar nessa oração. Era todos os dias das 6 às 7 h da manhã. Procurei informar-me com as próprias crianças ali e resolvi frequentar essa oração. Eu estava bem no início do meu recomeço.

Comecei a acordar bem cedo para ir à oração. Eu precisava muito orar. Fiquei receoso de ser algo dirigido, como um culto de oração. Eu queria um lugar para orar com outras pessoas, a fim de ter um incentivo pela presença de outros, mas sem alguém dirigindo. Sozinho, em um recomeço, às vezes é difícil. Cheguei e graças a Deus era como eu precisava.

Surpreendi-me pelo número de pessoas, mas talvez eu houvesse chegado em algum dia especial. Devia ter umas 100 pessoas. Cada um ficava em seu canto, outros andando, outros ajoelhados com o rosto no chão em algum cantinho da quadra. Vi que os pastores da igreja também estavam ali. Arrumei um cantinho, inclinei-me e comecei minha viagem rumo ao retorno do pleno contato com o Espírito Santo. Não foi fácil manter a mente no lugar. Nessas horas a mente vai pra todos os lugares. É difícil voltar-se para o lugar onde o Espírito Santo está.

Quando eu estava quase conseguindo dominar minha desprezível mente, já eram sete horas e tínhamos que desocupar o local, pois a quadra era usada pela escola da comunidade. No outro dia eu retornei. Tinha também muitas pessoas. Fiquei admirado, pois estava um dia muito frio. Menos de 5 graus. Entrei, ajoelhei-me e pela misericórdia de Deus o céu se abriu. Foi uma surpresa. Eu ficaria ali alegre mesmo que o céu não se abrisse. Mas, se abriu. Glória a Deus! Senti-me como criança no colo do Pai. Toquei e desfrutei do Espírito todo suficiente. Chorei tudo que podia e estava represado dentro de mim. Fiz disso uma prática. Na verdade foi o meio de impulsionar-me para ter de volta uma prática constante. Eu comecei a receber de volta aquilo que está tão claramente escrito em I João 2:27:

Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas, como a unção dele recebida, que é verdadeira e não falsa, os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele como ele os ensinou.

Essa unção nos guia em tudo o que precisamos. Não é o caso de dizermos que não precisamos dos irmãos. É claro que a plenitude de Cristo não está em um membro do Corpo. A plenitude de Cristo está derramada no Corpo. Mas não podemos viver debaixo de um controle que mine a nossa dependência e a voz de Deus em nosso coração. Precisamos experimentar a presença de Cristo em nós. Passei a ter mais sensibilidade para ouvir a voz e Deus no meu coração.

Evitava fazer qualquer coisa sem antes ouvir essa voz. Sou obrigado a dizer, para não ser injusto, que muito me ajudou nesse processo o meu contato com irmãos simples da comunidade. Quando o veneno da religião foi saindo, passei a conseguir enxergar as virtudes da simplicidade da vida com Deus desses irmãos. Deixei de lado as doutrinas. Deixei de lado os caprichos fundamentalistas. Passei a desfrutar.

Imagine a seguinte situação: Você está morrendo de fome. Muita fome mesmo. Você comeria um bifão bem grande.

Nesse momento eu vou até você e digo: “Vou lhe apresentar um bife”. Você fica radiante e cheio de expectativa devido à fome. Eu pego um manual do bife e começo a explicar tudo sobre o bife. Digo que o bife tem em sua composição tantos por cento de gordura, tanto de fibra, tanto de proteína. Pergunto: Isso o alimentará? Sua fome será saciada? De forma alguma. Você quer comer um bife. Você quer desfrutar do bife. Está com fome. Por isso passei a me preocupar em desfrutar de Cristo e de sua doce presença e deixar os preciosismos bíblicos de lado. Quero me fazer compreender bem a fim de evitar confusões. Esse blogueiro desprezível já foi chamado de tudo, até de louco. Herege eu ainda não fui chamado, mas pode ainda acontecer. Peço apenas que não seja por algo que eu não disse. Leia o que Jesus disse aos fariseus:

Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida. (João 5:39,40)

A vida eterna não está nas Escrituras. Ela apenas fala da vida eterna. A vida eterna está em Jesus. Isso é mais experiência do que referência bíblica. Mas, se precisarmos de referências, vamos lá, vamos às escrituras!

Em João 3:6 lemos: “O que é nascido do Espírito, é espírito”. Este versículo fala de dois espíritos distintos: um está em maiúscula e o outro não (no grego não há essa distinção de maiúscula e minúscula; a diferenciação foi feita por inferência). A primeira ocorrência da palavra refere-se ao Espírito Santo de Deus e a segunda, ao espírito do homem. O que é nascido do Espírito Santo é o espírito humano. Em João 4:24 diz que “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito”. Outra vez, o primeiro Espírito está em maiúscula e o segundo não. Devemos adorar a Deus, que é Espírito, em nosso espírito humano. Romanos 8:16 confirma ainda mais a existência de dois espíritos: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus”. O pronome nosso não deixa dúvida de que se refere ao espírito humano e remove qualquer base para duvidar da realidade de que existe o Espírito Divino e o espírito humano. Muita atenção é dada ao Espírito Santo e pouco se sabe sobre o espírito humano. E tem de ser assim mesmo, mas isso não remove o fato de ignorarmos o que é o espírito humano. O espírito humano é a morada, a habitação do Espírito Santo. Veja que estranha essa fala de Paulo:

Por que Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho”. (Rm 1:9).

A ideia que temos é que sempre servimos ao Senhor no Espírito Santo. Mas, Paulo diz que serve no espírito humano dele. A dificuldade de diferenciar quando a Bíblia quer dizer espírito humano ou Espírito Santo é clara nas traduções. Entretanto, para os que estão no Senhor, vale o que diz Paulo aos coríntios: “Aquele que se une ao Senhor é um espírito com Ele”. (I Co 6:17). Ou seja, a diferenciação é difícil mesmo pela união do Senhor conosco. Em outra oportunidade irei falar detalhadamente sobre cada parte do homem. Agora não é possível, pois fugiremos muito do assunto. O importante é sabermos que o Espírito Santo todo suficiente e todo inclusivo está habitando em nosso espírito humano e que esse espírito humano é a parte mais interior de nosso ser. É lá que devemos procurá-lo a fim de tocá-lo. Não precisamos ir longe. Ele está dentro de nós. Na parte mais íntima. Ele não está na Bíblia, se não era só comer o livro e teríamos o Senhor. Ele está em nosso espírito.

Ele tem um propósito: quer que sejamos transformados à sua imagem. Uma transformação que começa em nosso interior. Onde se encaixa o versículo que foi colocado acima desse post?

Veja o que o escritor de Hebreus está fazendo menção a Jesus. Você consegue ver essa menção? Ele diz que em nossa luta contra o pecado ainda não resistimos até o sangue. Que sangue é este? O capitulo em questão está falando do sofrimento de Cristo. E em que momento Jesus derramou sangue? Foi na cruz e no Getsemani. Em que momento esse derramamento foi em conseqüência de uma intensa luta contra o pecado? Na cruz é que não foi.

Jesus estava no Getsemani orando. Era um momento de tribulação. O vitupério da cruz estava próximo. Deus nunca havia sentido dor física. Era uma experiência nova e difícil. Ele chegou a ponto de pedir para que fosse afastado dele aquele cálice.

Nesse momento ele suou sangue. Ele estava lutando para não desobedecer, para cumprir seu propósito. E como era essa luta? Será que ele estava encarando o pecado diretamente? Será que ele estava fazendo força? De forma alguma. A sua luta contra o pecado e também a nossa hoje, não é encarando o pecado. Dessa forma fatalmente naufragaremos. Combatemos o pecado indo ao Senhor. Como Jesus fez. Ele estava em oração, em comunhão com o Pai. O autor de Hebreus diz que em nossa luta contra o pecado ainda não resistimos até o sangue, ou seja, ainda não tivemos que buscar a Deus, lutando contra o pecado, a ponto de derramar gotas de sangue. Não chegamos a esse ponto. Jesus chegou. Nossa luta contra o pecado é ganha quando nos dirigimos ao Espírito Santo em nosso espírito. Assim como Jesus fez, devemos fazer também. Vencemos o pecado desfrutando da graça de Deus, que é a vida do próprio Deus em nós. Falarei isso com muita reverência, mas é o único exemplo que me vêm agora. Imagina que Deus seja uma melancia. Ele quer fazer parte de você. Mas a melancia é grande, não dá para engolir ela inteira.

Então primeiro temos que parti-la. Depois cortar em pedaços que caibam em nossa boca e depois ela se transforma em suco em nossas bocas e passa a fazer parte de nossa composição. Deus fez isso nos três estágios. Ele se introduziu no Filho, o Filho introduziu-se no Espírito Santo e o Espírito pode ser facilmente absorvido pelo nosso espírito. Portanto, desfrutemos da graça de Deus no Espírito Santo e deixemos um pouco de lado as mil regrinhas e os ensinos comportamentais. Precisamos de Vida.

Termino esse post com a letra de uma música bem antiga do irmão Asaph Borba.

Quando terminar esta vida e lá no céu eu chegar

Haverá uma multidão de irmãos

Esperando pra me abraçar, e perguntarão a uma voz,

Voltados para mim ,Oh conta-nos como você irmão,

Venceu e chegou aqui.

E falarei, e cantarei de Jesus que me salvou

Que por este pecador a si mesmo se entregou.

Foi graça, graça, super abundante graça

Graça, graça, preciosa e doce graça.

Foi graça irmão, Graça irmão,

Eu vos digo que foi assim

Foi só pela graça de Jesus

Que eu venci e cheguei aqui.

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