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“VOCÊ É PASTOR E OUVE METAL?”

Foto: Renan Olivetti/I Hate Flash

De Folha de São Paulo:

Prefiro ouvir um ‘Guardian of Earth’ do Sepultura, que fala do cuidado que devemos ter com a Terra, a ouvir sertanejos que exaltem bebedeira.

Na semana passada o pastor Daniel Guanaes defendeu nesta Folha: “Evangélico pode ouvir Caetano Veloso? Por que não?” Sou pastor também e pentecostal, e as minhas referências são um pouco mais — digamos assim — pesadas, entre o power metal e o death metal. Se isso te surpreende, está na hora de falarmos sobre a diversidade musical na fé cristã.

Como Daniel é um pastor de tradição reformada, onde a liturgia é mais rígida, seguindo o chamado “princípio regulador do culto”, é natural que ele cite Caetano como um exemplo de músico que faz parte de seu gosto individual, haja vista ser músico de um estilo sereno, que combina com a serenidade de um culto presbiteriano.

Entretanto, diferentemente do culto de liturgia rígida e com som baixo, sendo eu pentecostal, acostumei-me ao culto mais espontâneo e livre, com som mais alto e onde se pode pular e até correr pela igreja. Talvez por isso, minhas referências musicais sejam outras. Desde o chamado power metal do Angra, passando pelo thrash metal do Korzus e indo até o death metal do Torture Squad, para falar apenas de bandas nacionais.

A aceitação desses estilos no meio evangélico é muito mais complicada, independentemente das letras, causando escândalo, tanto para outros cristãos quanto para não cristãos. Já me acostumei a ouvir a frase “você é pastor e ouve metal?”.

No dia que encontrei com a querida Fernanda Lira, vocalista da banda Crypta, uma banda de death metal nacional, que faz grande sucesso fora do Brasil, tocando nos maiores festivais europeus, eu reproduzi a foto desse encontro em minhas redes. Fui xingado de todos os palavrões gospel que podem imaginar, tais como herege e belzebu.

O que esses haters não sabiam era que nosso encontro tinha a ver com gratidão, em face do impacto das letras de suas músicas na vida de minha família naquele momento delicado de pandemia. Canções como “From The Ashes” e “Lord of Ruins” falam da alma destruída, mas que consegue renascer em meio às cinzas.

Poucos também sabem que o virtuoso baterista do Angra, meu querido irmão Bruno Valverde, foi criado em uma igreja pentecostal e até hoje toca bateria em uma igreja nos Estados Unidos, onde reside. Ele é um dos exemplos de que é possível ser evangélico e gostar de música pesada, desafiando preconceitos.

Já utilizei, por exemplo, a música “Disciple”, do Slayer, como base para uma mensagem em um culto de jovens. A letra, basicamente, diz que Deus odeia a raça humana, na perspectiva de quem não tem fé e vê as desgraças que ocorrem no mundo e a hipocrisia de cristãos indiferentes ante essas mesmas desgraças.

 

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