Imprensa

PT silencia sobre distribuição de bíblias pelo governo do Ceará

Publicado na Folha

Nesta semana, me deparei com uma notícia que, a princípio, imaginei ter como protagonista um governador bolsonarista. No entanto, logo percebi que se tratava de Elmano de Freitas, governador petista do Ceará. A notícia relatava que o governador prometia a distribuição de bíblias nas escolas de seu estado.

Procurei por manifestações contrárias da chamada “blogosfera petista” ou “progressista” —aquele conglomerado de blogs e páginas que apoia acriticamente o PT e o atual governo, funcionando como uma espécie de Pravda ou Granma –, mas não encontrei nenhuma manifestação cobrando o respeito ao Estado laico ou algo semelhante. Infelizmente, tenho memória, e essa memória costuma me torturar.

Lembro que, na última campanha presidencial, eu era presidente do movimento Cristãos Trabalhistas do PDT, movimento que ajudei a criar para abrir o diálogo entre o chamado campo progressista e os evangélicos. De certa forma, servimos como consultoria em assuntos de fé cristã para o então candidato Ciro Gomes, quando ele assim desejava.

Em uma das primeiras peças publicitárias da era João Santana, que sempre achei um pouco arredio a esses assuntos de fé cristã, tive a oportunidade de opinar no texto antes de sua publicação (uma rara oportunidade, diga-se de passagem). O texto era de uma obviedade ululante para quem lida com os princípios de laicidade do Estado, onde o papel da Constituição e da bíblia eram corretamente colocados.

Quando o vídeo de apenas dois minutos foi publicado, qual foi minha surpresa ao ver as manchetes dessa mesma blogosfera petista —silenciosa quanto ao governador petista do Ceará e estrondosa em relação ao vídeo da campanha de Ciro—, afirmando que Ciro Gomes “estrangula o Estado laico e acena para o fundamentalismo”.

O vídeo apenas afirmava de forma simples que não deveria haver conflito entre a bíblia e a Constituição quando ambas estão em seus devidos lugares: a primeira, como regra de fé para cristãos, e a segunda, para ordenar uma sociedade civil, onde a fraternidade e a superação cristãs jamais se contrapõem aos princípios da Constituição cidadã brasileira.

Era nossa tentativa de dialogar com os evangélicos do país, afetados pelo pânico moral da extrema direita, que coagia cristãos afirmando que o estado estaria sendo utilizado para intromissão na fé individual. Esse pânico tem como consequência a descredibilização das instituições estatais, da democracia e da política como meios legítimos de superação da desigualdade, com oportunidades equânimes para todos.

Agora, diante do fato de o estado do Ceará usar recursos públicos —recursos provenientes dos impostos de cristãos, não cristãos, ateus e agnósticos— para distribuir bíblias, o que vemos é um silêncio sepulcral da outrora estridente blogosfera, perante uma clara violação do princípio da laicidade e da separação entre igreja e Estado, princípio que, por ironia da vida e do destino, é de essência protestante.

Cristão, para essa gente que vê políticos como os portugueses do século 16 viam dom Sebastião, só serve se houver rendição incondicional, como bem manda a tradição sebastianista de nosso país. Ou nos livramos dos “sebastiões” ou eles acabarão com o que resta de nossa fé e incipiente democracia.

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