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A Tradição Pentecostal Precede a Reforma

A Reforma não foi um ato isolado de Lutero. Ele foi, sem dúvida, o grande protagonista do movimento, mas contou com o apoio decisivo de príncipes alemães que, por motivos tanto religiosos quanto políticos, o protegeram e o incentivaram em sua resistência contra os abusos da Igreja Católica Apostólica Romana. Esse apoio político foi essencial para que Lutero escapasse da morte na fogueira, destino comum aos que antes dele haviam se insurgido contra Roma.

Muitos crentes pensam que, até Lutero, todos viviam na chamada “Idade das Trevas” e que não havia Igreja de Cristo na terra. Isso não é verdade. Sempre houve, ao longo da história, homens e mulheres fiéis que buscaram conservar a pureza do Evangelho. Um exemplo notável é Pedro Valdo (ou Valdés), que por volta de 1170, em Lyon, deu origem ao movimento dos valdenses — cerca de três séculos e meio antes da Reforma.

Embora a história os chame de “valdenses”, eles mesmos se denominavam apenas “irmãos”. Pedro Valdo distribuiu grande parte de seus bens entre os pobres e financiou a tradução da Bíblia para o idioma popular da época. Organizou grupos de missionários itinerantes que pregavam o Evangelho por diversas regiões da Europa, sobretudo na França e no norte da Itália. Seu movimento defendia a simplicidade cristã, a pregação leiga e o uso das Escrituras como única regra de fé — ideias que ecoariam séculos mais tarde na Reforma Protestante.

Na França meridional surgiram também os albigenses (ou cátaros). Embora suas crenças incluíssem elementos dualistas que se distanciavam do cristianismo ortodoxo, muitos historiadores reconhecem que, entre eles, havia grupos sinceramente comprometidos com uma vida moralmente pura e crítica em relação à corrupção do clero. Esse movimento foi esmagado de forma brutal durante a Cruzada Albigense (1209–1229), e seus líderes — como Pierre de Bruys, que já pregava antes dos cátaros e foi queimado em 1126, em Saint-Gilles — foram mortos sem piedade.

Poderíamos citar ainda John Wycliffe (século XIV), na Inglaterra, e Jan Hus (século XV), na Boêmia — ambos precursores diretos da Reforma —, além dos místicos alemães, holandeses e ingleses que denunciavam a luxúria e a riqueza do clero e se opunham à aliança entre a Igreja e o Estado. Quando Lutero afixou suas 95 Teses (1517), já existiam em toda a Europa inúmeros grupos de cristãos que se reuniam em casas, estudavam as Escrituras e buscavam viver a fé de modo simples e bíblico.

Mais tarde, paradoxalmente, o próprio Lutero — que se levantara contra as heresias e os abusos da Igreja — tornou-se um perseguidor severo de outros reformistas. Rejeitou e condenou os anabatistas, que defendiam o batismo de adultos e por imersão, chegando a apoiar sua repressão violenta em alguns territórios alemães.

Os valdenses, lolardos, hussitas, anabatistas, e, posteriormente, os menonitas e morávios, mantinham entre si uma comunhão simples e fraterna, chamando-se apenas de “irmãos”. Esses movimentos foram os verdadeiros precursores da santidade bíblica e das correntes de avivamento espiritual que, nos séculos seguintes, dariam origem ao movimento holiness — o embrião do pentecostalismo no final do século XIX.

Portanto, para mim — vindo da tradição pentecostal —, a Reforma não foi apenas um ato de Lutero. Foi um processo de séculos, que encontrou em Lutero o contexto político propício para se consolidar como uma reforma institucional e estatal na Alemanha. Contudo, nossa tradição pentecostal possui muito mais afinidade espiritual com os valdenses e com os movimentos de renovação espontânea e comunitária do que com as igrejas oficiais da Reforma.

Celebro com respeito a data, mas sem grandes empolgações. Creio que a Igreja deve estar em constante restauração ao padrão do Novo Testamento.
Feliz Dia das Reformas!

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