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A FRATERNIDADE SACERDOTAL EXISTE?

Afinal, a fraternidade sacerdotal existe? Se existe, onde ela reside?

Às vezes, me pergunto se a fraternidade sacerdotal é um ideal perdido nas páginas de algum concílio ou se ela pulsa, discretamente, nas entrelinhas da vida eclesial.

Caminhando pelas paróquias, visitando comunidades, conversando com padres e seminaristas, percebo uma tensão sutil: falamos muito sobre fraternidade, mas pouco a vivemos. Proclamamos a unidade nos altares, mas, ao descer deles, muitas vezes nos recolhemos ao conforto solitário das nossas residências paroquiais, das nossas agendas lotadas, das nossas convicções teológicas que, por vezes, mais separam do que unem.

Afinal, a fraternidade sacerdotal existe?

Talvez resida mais no desejo do que na prática cotidiana.

Não se pode negar que existem gestos sinceros: a troca de mensagens de apoio, os retiros anuais, as celebrações coletivas que, por um breve instante, parecem reunir irmãos em torno de uma mesma mesa. Mas, depois, cada qual volta para o seu mundo, para a sua missão solitária, para o seu próprio pastoreio, muitas vezes atravessando a noite sem sequer partilhar com alguém as angústias, as dúvidas ou o cansaço.

Há quem diga que essa ausência de fraternidade é fruto dos tempos modernos — a correria, o isolamento emocional, a institucionalização da missão. Mas creio que ela também revela um medo antigo: o de sermos conhecidos de verdade. Entre sacerdotes, a vulnerabilidade ainda é uma moeda rara. Prefere-se o verniz da competência pastoral ao risco do desabafo fraterno. Prefere-se a imagem do padre eficiente ao homem que, mesmo ordenado, ainda precisa ser acolhido e amado pelos seus iguais.

E, no entanto, a fraternidade sacerdotal não é um luxo, nem uma opção; é uma exigência evangélica, um caminho de salvação para quem se doa em favor dos outros, mas que também precisa de quem cuide de si.

Talvez ela resida onde menos esperamos: num telefonema feito sem motivo aparente, num convite para um café depois da missa, numa palavra sincera durante a partilha de um retiro, na paciência de ouvir, na disposição de se deixar ajudar.

Não é nos documentos eclesiais — embora lá esteja bem recomendada — que a fraternidade sacerdotal floresce, mas no chão duro e concreto da vida ministerial, quando um padre escolhe olhar para o outro não como concorrente ou ameaça, mas como irmão de caminhada, tão carente de misericórdia quanto ele próprio.

Sim, ela existe, mas talvez habite discretamente, como semente lançada no solo da vocação, à espera de quem se disponha a regá-la com gestos simples e cotidianos. Não se impõe por decreto, nem se organiza em comissões; nasce do coração livre e humilde que reconhece: “não posso caminhar sozinho”.

Quem sabe, então, a grande pergunta não seja apenas se a fraternidade sacerdotal existe, mas se cada sacerdote quer, verdadeiramente, que ela exista em sua vida. Se ousará derrubar os muros invisíveis que separam, se aceitará ser, antes de tudo, irmão.

Porque a fraternidade sacerdotal não é um ideal inalcançável. É uma possibilidade concreta, uma graça disponível, uma presença silenciosa, aguardando apenas quem tenha coragem de acolhê-la.

Pe. Marcelo Campos da Silva D’ippolito

Pároco da paróquia Nossa Senhora da Conceição – Rio das Ostras/RJ

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