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O “Delirium Tremens” DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

O “Delirium Tremens” das Eleições Municipais

Passado praticamente uma semana do resultado do primeiro turno das eleições municipais do Brasil, com a campanha do segundo turno já nas ruas e a euforia das vitórias e derrotas nas cidades do interior já se dissipando, é possível analisar com algum distanciamento o cenário que emerge das urnas, tendo como pano de fundo as disputas nas principais capitais e o espetáculo insólito oferecido pela campanha do primeiro turno em São Paulo, a maior cidade do país.

Já não é segredo que as siglas do chamado “centrão” e da extrema direita saem vitaminadas do processo eleitoral, robustecida por um número ainda maior de prefeituras e mandatos em câmaras municipais. Os partidos de esquerda e de centro-esquerda apresentaram resultados dignos de uma crise de valores. O PT fez 64 prefeituras a mais do que em 2020 – muito pouco, convenhamos, para a sigla do presidente da República. O PSDB, que polarizava com o PT nos anos mais promissores da nossa jovem democracia, regrediu ao posto de partido nanico (e, se a bem pouco tempo o fundo do poço parecia ser a sigla do ex-presidente Fernando Henrique ser representada por João Dória em São Paulo, um alçapão no fundo revelou José Luiz Datena).

Um capítulo à parte deve ser dedicado à crise evidente do PDT, que apresentou um dos piores desempenhos da sua história. Reduzido a um “puxadinho” adesista do petismo em praticamente todo o país, exceto no Ceará, onde sua redução foi consequência quase inevitável da pressão máxima do governo federal sobre o que restou do partido, a sigla fundada por Leonel Brizola fez 149 prefeituras – 166 a menos que as 315 conquistadas em 2020. Muitos ex-pedetistas perseguidos pelas cúpulas estaduais tiveram que sobreviver – e ganhar eleições – em outros partidos. Alguns descontentes com Lupi se articulam para recuperar e restaurar o velho PTB, mas até aqui, segue ausente também neste novo segmento uma crítica ao lulopetismo e seu atrelamento ao rentismo e aos ditames do mercado financeiro.

Este ocaso é mais sintomático em Porto Alegre, um dos berços do trabalhismo, onde o partido se fez representar na disputa pela neta de Leonel Brizola, ex-deputada que, se herdou os brios e temperamento do velho caudilho, ficou devendo no talento político. A candidata, que foi vice na chapa do atual prefeito Sebastião Melo quando a “encarnação do mal” da vez era Nelson Marchezan Júnior, quis enfrenta-lo pelos vínculos com o bolsonarismo, embora andasse na companhia do PSDB financista de Eduardo Leite. Sua contradição ficou fora do segundo turno, onde Melo enfrentará Maria do Rosário, campeã nacional de rejeição entre os postulantes das capitais brasileiras.

O espetáculo bizarro oferecido aos paulistanos – e ao restante do país – quase levou para o segundo turno o dublê de coach e enganador juramentado Pablo Marçal, que quase foi levado pelos eleitores bolsonaristas ao segundo turno. Tábata Amaral, do PSB, evoca para si a glória de ter tirado Marçal do páreo, falsamente. Em verdade, a queda do bisonho personagem da disputa deve-se principalmente a dois fatores: a cadeirada aplicada por Datena em um dos debates na televisão e o massacre diário feito sob as ordens de Jair Bolsonaro e executado por um indivíduo estranho à disputa paulista: o carioca Silas Malafaia, ex-pastor evangélico convertido à religião bolsonarista, da qual se tornou um sacerdote.

O ato de Datena expôs, a um só tempo, a malandragem e a covardia do coach provocador, e pode ser considerada um benefício prestado pelo apresentador de TV à política paulista. Como o próprio Cristo demonstrou, às vezes é preciso um bom azorrague de cordas para expulsar os vendilhões do templo, e se não houver um látego à mão, uma cadeira serve.

O crescimento das siglas do centrão e a expansão do seu poder é obra de autoria completa de Luis Inácio e seus governos, especialmente esse terceiro mandato. Irrigados à farta por um orçamento de emendas que já não é mais secreto, o governo do PT alimenta e nutre as forças que darão a mão ao adversário assim que ele surgir e se mostrar viável.

Estamos assistindo ao réquiem da esquerda rentista no país. Evidentemente, por algum tempo, isso significará um retorno da direita ao poder, mas como o pêndulo da política é sempre móvel, devemos esperar que do fim da esquerda pró-mercado possa surgir, no futuro, uma esquerda de verdade –focada nos temas clássicos como emprego, salário, desenvolvimento, a soberania nacional e a melhoria da vida dos cidadãos.

Cláudio Moreira
Teólogo e escritor, servidor público e pastor auxiliar da Comunidade Vida Abundante em São Gabriel (RS)

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