Durante seis anos foi missionário de uma agência missionária chamada “Youth With a Mission”, trabalhando em favelas no Brasil e em Cuba. É pastor da Igreja de Deus, denominação pentecostal tradicional criada em 1886 no interior do EUA. É também policial rodoviário federal há 15 anos. E diretor parlamentar do sindicato dos policiais rodoviários federais de Santa Catarina.
Solidário Notícias – Na última eleição presidencial, a maioria dos evangélicos apoiou o candidato Jair Bolsonaro. Mais do que o apoio político, a bancada evangélica teve uma influência fundamental, a ponto de vetar nomes, fato ocorrido no Ministério da Educação, cujo indicado foi o ex- reitor de Pernambuco, Mozart Neves Ramos. O nome não emplacou porque foi vetado pela bancada evangélica, cujo poder cresce a cada eleição. Episódios desta natureza contribuem para desgastar ainda mais a imagem e a credibilidade dos evangélicos perante a opinião pública. Gostaria que o senhor fizesse uma análise a respeito.
Alexandre Gonçalves – Há um projeto de poder no meio evangélico (que eu denuncio desde meadosda década de 1990) fundamentado pelo mercantilismo da fé e por algumas doutrinas espúrias que pousaram em nosso país com força no início dos anos 70.
Em 1974 ocorreu um congresso internacional para a evangelização mundial
em Lausanne na Suíça. Esse congresso reuniu representantes das igrejas
evangélicas do mundo todo e, como resultado, produziu um documento
conhecido como Pacto de Lausanne. Nesse documento ficou firmado que a
igreja deveria ter uma evangelização holística, ou seja: vendo o homem
como um ser integral e não fragmentado. E que o evangelho deve também
atender, de igual forma, todas as necessidades do homem, sejam espirituais,
emocionais e também físicas. A Igreja, segundo esse documento, deveria se
envolver na luta contra a pobreza e a concentração de renda, sendo seus
ministros exemplos de uma vida simples e desapegada de bens materiais,
promovendo ações sociais em suas comunidades.
Alguns pastores foram contrários a esse documento, afirmando que a igreja
estava se alinhando à esquerda, com ideias que extrapolavam seu limite de
ação. Que a preocupação da igreja deveria ser com a saúde espiritual das
pessoas, e com o bem estar de seus membros. Dentre os líderes evangélicos
que se opuseram, posso destacar dois: Peter Wagner e Keneth Hagin.
Keneth Hagin, por exemplo, foi um dos grandes elaboradores da doutrina da
prosperidade nos Estados Unidos, tendo como um de seus principais
discípulos aqui no Brasil o missionário R.R. Soares, dono da Igreja
Internacional da Graça de Deus, dissidente de uma das primeiras igrejas
no Brasil precursoras do movimento neopentecostal brasileiro, a igreja
pentecostal de Nova Vida, pertencente ao americano erradicado no Brasil,
Bispo Robert McAlister. Entretanto, o criador da chamada “terceira onda”,
adjetivo dado ao movimento que originou o neopentecostalismo, foi o pastor
americano Peter Wagner. Qual o motivo de explicar tudo isso? Todos esses
movimentos têm grande influência aqui no Brasil, devido ao fluxo constante
de pastores do Brasil para os EUA, e de lá pra cá também. Como resultado
dessa terceira onda aqui no Brasil, a Igreja Pentecostal de Nova Vida, que já
tinha absorvido alguns princípios do atual neopentecostalismo, foi o berço da
já citada igreja internacional da Graça de Deus, e da Igreja Universal do
Reino de Deus. A última, por exemplo, desde a sua criação já falava em
dominar duas áreas no Brasil: a comunicação e a política. Quem é da minha
geração lembra o estardalhaço que provocou no Rio de Janeiro quando a
Universal comprou a tradicional rádio Copacabana. Esse foi o princípio de
seus planos de poder midiático, chegando ao auge com a aquisição da TV
Record de São Paulo. O poder político veio atrelado ao poder midiático, onde
a Universal, seguida de outras igrejas do mesmo campo doutrinário,
investiram pesadamente em candidatos para concorrer às eleições e assim
ampliar seu domínio.
Mas, como justificar aos membros tamanho investimento financeiro em
disputas eleitorais e aquisição de rádios e canais de TV? Os últimos se
justificam com a premissa da evangelização, tarefa primaz da igreja. Mas os
primeiros necessitam de um amparo doutrinário mais elaborado. Neste
momento entra a doutrina do domínio, uma doutrina ressuscitada pelos
neopentecostais, originada do antigo teonomismo. O que seria essa doutrina?
A doutrina do domínio é a ideia de que os cristãos devem dominar sobre
todas as áreas de influência da sociedade, influenciando para que a cultura
e moral cristã possam ser assimiladas por toda a sociedade. O que para um
cristão é imoral, também deve ser considerado imoral e até proibido aos não
cristãos. Assim fica fácil compreender o motivo pelo qual as lideranças
evangélicas poderosas, majoritariamente neopentecostais, prestaram total
apoio ao então candidato Jair Bolsonaro. Ele justamente representa, da
forma mais tosca possível, esse pensamento de uma moral cristã, entubada
na sociedade civil. Uma moral distorcida, diga-se de passagem, pois em vez
de lidar com a imoralidade da concentração de renda e do rentismo dos
bancos à custa do sangue dos pobres, lida com superficialidades como
questões sexuais, por exemplo. A tendência é esse projeto crescer a ponto
de se eleger algum líder de uma dessas igrejas. Bolsonaro foi apenas um
projeto. O plano é mais ambicioso.
SN – Assim como ocorre com a esquerda brasileira, não há uma falta de união, de objetividade das lideranças das igrejas históricas, e dos intelectuais da fé? Como combater e divulgar todas as armações e manipulações que ocorrem no nosso universo evangélico? Por que não criar um veículo de comunicação de massa, uma revista por exemplo, que seja a voz de um evangélico ético e libertador?
AG – Houve várias iniciativas de unir as lideranças evangélicas em torno de um
consenso ético de ações, para justamente se opor a essas doutrinas e
práticas perniciosas. No Brasil, a mais forte e bem elaborada delas foi a
AEVB (Associação Evangélica Brasileira), da qual orgulhosamente fiz parte,
tendo como seu primeiro presidente, o pastor Caio Fábio. Uma de suas
primeira iniciativas foi a criação do “Decálogo do voto evangélico” onde se
manifestava frontalmente contra o “voto de cajado”- versão evangélica para o
voto de curral. Nesta época foram criadas revistas e investimento em
programas televisivos apresentados pelo pastor Caio Fábio. Infelizmente,
isso tudo se acabou. O pastor Caio, que era a referência dessa iniciativa,
teve problemas pessoais graves e se afastou do movimento, vindo este a
cair quase que totalmente, sob o peso também da acusação hipócrita dos
opositores do pastor Caio.
Desde então, não temos uma expressiva representação que reúna pastores
de diversas matizes teológicas com o objetivo claro de se contrapor às
anomalias da igreja evangélica moderna. Bom ressaltar que alguns
proeminentes pastores de igrejas históricas também deram apoio ao
candidado Bolsonaro, escrevendo inclusive um manifesto onde orientam os
crentes a votarem em candidatos conservadores indicando claramente, sem
citar nome, voto em Bolsonaro (https://tuporem.org.br/eleicoes-2018-cartaaberta-a-igreja-brasileira). Portanto, estamos em uma situação de terra
devastada. A falta de recursos dos poucos pastores e lideres que têm voz
dissonante da maioria impede qualquer iniciativa no sentido de criar mídias
elaboradas com o objetivo de divulgar nossa posição. Faz pouco tempo que eu e
alguns pastores e líderes evangélicos criamos o grupo Evangélicos
Trabalhistas, no âmbito do PDT, visando unir esforços para criarmos um portal
e uma rede de canais no Youtube para combater essas posições
heterodoxas da maioria dos evangélicos no Brasil. Não sei se obteremos
êxito, pois é uma incipiente tentativa.
SN – Verifica-se, já há algum tempo, uma mediocridade teológica, uma banalização do culto. Encapsularam os ensinamentos de caráter social e defesa dos pobres que Jesus ensinou. Como combater isso, pastor?
AG – O combate a essa alienação que se tornou o mundo evangélico pós – moderno
deve ser feito com a simples confrontação bíblica. A Bíblia, corretamente
interpretada, tem todos os argumentos necessários para fazer com que a
igreja se volte definitivamente para os pobres. Qual o desafio? Fazer o povo
ler. Lembro-me que há 30 anos, os crentes, mesmo os mais
simples, tinham uma visão do ser humano fantástica. Era comum a visita em
presídios, acolhimento de pessoas de rua, adoções como meio de prover
casa aos menores de rua, investimento em escolas, creches e atendimento
médico à comunidade. Isso se reforçava pelo estudo bíblico dado aos
membros das igrejas nas quase extintas escolas dominicais. Portanto, o
primeiro desafio é fazer esse povo ler a Bíblia muito mais do que assistir
vídeos e curtas mensagens em redes sociais com os mais esdrúxulos
ensinos. Eu me disponibilizei a sair do meio de minha denominação e
ampliar meu alcance, indo nas igrejas de outras confissões para estimular
a leitura por parte dos membros dessas igrejas.
Entrevista original no Portal Solidário Notícias.