Caminhos para o Nacionalismo na nova Era Trump
Repetindo à risca seu histórico de contrariar pesquisas de opinião desde sua primeira campanha política em 2016, o excêntrico bilionário Donald Trump foi oficialmente eleito para a presidência dos Estados Unidos, retornando ao poder depois de um mandato encerrado com uma derrota para Joe Biden em 2020. A vitória esmagadora se dá em diversas dimensões: maioria de votos nominais, maioria de delegados ao Colégio Eleitoral, maioria da Câmara, do Senado e também maioria dos governadores. É uma vitória histórica para o Partido Republicano, que deixa de ser a sigla neoconservadora de Ronald Reagan e da família Bush para ser um partido ultraconservador e nacionalista, reformado à imagem e semelhança do seu novo líder absoluto – o estranho homem de topete laranja e linguagem inadequada.
Dentre as democracias sul-americanas, nenhuma é tão semelhante aos Estados Unidos quanto o Brasil – para o bem e para o mal. Por isso mesmo, a influência das eleições ianques transcende o noticiário ou a mera influência financeira no fluxo turístico, migratório e de comércio exterior com nosso segundo maior parceiro comercial – já desbancado pela China há alguns anos. Os temas que permeiam o debate político e econômico estadunindense nunca tardam a se tornar moda – ou, às vezes, praga – no repertório político brasileiro. Identitarismo, cultura woke, polarização partidária e temas morais estão entre as semelhanças mais claras, sem mencionar a cada vez maior afinidade entre o Partido Democrata dos EUA e o Partido dos Trabalhadores. Trumpismo e Bolsonarismo não somente se parecem como se associam. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, assistiu a apuração dos votos das eleições americanas na casa de Donald Trump em Mar-a-Lago, Flórida, a convite do filho de Donald, Eric Trump.
Enquanto o PT e sua contraparte americana lastimam o resultado como uma ascensão do fascismo, convém aos nacionalistas – em especial os trabalhistas brasileiros – uma reflexão própria deste cenário, para além das divisões cada vez mais inócuas entre direita e esquerda, procurando sobretudo aprender com as peculiaridades desta eleição, os rumos do Brasil em 2026 e os caminhos possíveis para que um pensamento generosamente nacionalista possa se comunicar com a maioria da nossa população.
Senão, vejamos.
O Partido Democrata, embora seja considerado de esquerda dentro do espectro americano, também representa muitas das elites urbanas, profissionais liberais, acadêmicos e figuras da mídia e tecnologia, setores que, apesar de serem progressistas em questões sociais, são muitas vezes economicamente favoráveis ao capitalismo. Isso cria a percepção, em especial entre as classes trabalhadoras e rurais, de que os democratas estão mais conectados com as elites do que com as necessidades econômicas da população em geral.
Trump, por outro lado, teve sucesso ao capturar as aspirações de trabalhadores industriais e de regiões que perderam força econômica nas últimas décadas. Ele fez um apelo populista que criticava tanto o sistema político de Washington quanto o “establishment” de ambas as costas do país. Esse movimento cruzou a linha econômica e cultural, atraindo trabalhadores e tradicionais democratas do Rust Belt, como Detroit, onde antes o apoio a políticas sindicais e democratas era a regra.
Essa reconfiguração indica que a política americana, hoje, talvez faça mais sentido dividida entre “globalismo versus nacionalismo” ou, na linguagem que Trump utilizou, “elite versus povo” do que pela demarcação histórica entre esquerda e direita. Muitos especialistas e analistas argumentam que essa transformação é um reflexo de um desajuste entre os rótulos tradicionais e as realidades da política contemporânea dos EUA, sugerindo que os termos “esquerda” e “direita” não são mais suficientes para capturar as dinâmicas e alianças atuais.
Essa é, de certo modo, também a realidade brasileira. O eleitor médio identifica cada vez mais a esquerda brasileira e sua principal sigla (o Partido dos Trabalhadores) com uma elite intelectual universitária, comprometida com o topo da pirâmide social e do mundo das artes, enquanto o bolsonarismo, através de alianças estratégicas com igrejas evangélicas, se aproxima cada vez mais das favelas, bairros pobres e comunidades populares. Enquanto o PT abraça sem qualquer autocrítica o discurso da Fundação Ford e outras entidades estrangeiras sobre a Amazônia, que coloca o Brasil no banco dos réus da emergência climática, o bolsonarismo – ao menos na retórica – faz a defesa de uma Amazônia nacional.
A se continuar nessa toada, esse é o caminho seguro rumo ao abismo para as esquerdas brasileiras, cada vez mais submetidas a uma lógica rentista e pró-mercado. A única alternativa possível está em encontrar um caminho que dialogue com nossas maiorias nacionalistas, cristãs e populares. Esse caminho é – ou deveria ser – o Trabalhismo, não fosse a triste tragédia de que seu maior aparelho partidário está hoje cooptado pelo carguismo dentro de um governo cada vez mais rendido à lógica liberal, e que deixou de falar nos temas cruciais da economia – salário, emprego, renda – para entreter-se com pautas identitárias que, se não deixam de ser importantes, nada dizem à maioria do povo – e portanto, dos votos.
É perigoso e mortal do ponto de vista político aderir ao choro majoritário de uma esquerda meramente estética, para quem a vitória de Trump representa a ascensão do fascismo. Convém lembrar que, na experiência brasileira, Getúlio Vargas sempre foi acusado de fascista, especialmente pela “intelligentsia” da USP. Vargas, também um homem rico e privilegiado, foi o autor de conquistas históricas para os trabalhadores, ainda em um regime de força que sucedeu à Revolução de 1930, fruto da contestação popular de uma fraude eleitoral histórica. Em pleno século XX, Vargas transformou um país rural e majoritariamente analfabeto no gigante industrial da América Latina.
Não, não estou comparando Vargas com Trump, o que seria uma heresia sem precedentes. Mas não é sem motivo que nos últimos 20 anos, estados como o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, majoritariamente brizolistas, tenham se convertido em redutos do bolsonarismo. O ponto de contato entre essas vertentes opostas é justamente a ênfase no nacionalismo, que fez muitos trabalhistas relevantes migrarem para o bolsonarismo nas últimas décadas. Major Olímpio, Pastor Everaldo, Giovani Cherini estão aí para exemplificar o que digo.
Para quem prefere ignorar o avanço popular do bolsonarismo e atribuir tudo ás fake News é importante recordar a figura controversa de Olavo de Carvalho.
Porém, enquanto o bolsonarismo apresenta um nacionalismo de fancaria, títere dos interesses americanos, o trabalhismo tem condições de promover uma defesa digna da produção e da economia nacional, lutando pela Amazônia brasileira sem demonizar a produção primária, um dos orgulhos do país.
Meu grande sonho de verão é um horizonte em que nacionalistas – de esquerda e de direita – possam dar as mãos contra os entreguistas, os garotos de recado do globalismo e os partidários da ideologia de Silvério dos Reis, o traidor de Tiradentes. Enquanto os fantasmas do fascismo e do comunismo continuarem sendo as principais ferramentas da narrativa política, a vitória de Bolsonaro ou um aliado seu em 2026 já está no terreno das favas contadas.
Cláudio Moreira
Jornalista, escritor e teólogo
Pastor auxiliar da Comunidade Vida Abundante em São Gabriel (RS)