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UMA RESPOSTA SERENA E CRISTÃ À PASTORA ROMI BENCKE

UMA RESPOSTA SERENA E CRISTÃ À PASTORA ROMI BENCKE

 

Escrevi um singelo texto opinativo sobre a carta que a pastora Lusmarina Campos Garcia, pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, direcionou ao presidente Lula e à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, com cópia para outras lideranças importantes do PT como Gilberto Carvalho e Benedita da Silva. Recebi diversos retornos sobre o texto que escrevi, tanto de irmãos identificados com a esquerda, quanto os que se identificam com a centro-direita e com aqueles que não desejam nenhuma identificação. Posso dizer que a maioria foi composta de comentários respeitosos e de apoio a algumas das sentenças que elaborei no texto. Mas, a crítica que foi mais completa e que mereceu uma publicação, em que sou citado em mais de 70% do texto, foi a da pastora Romi Bencke.

Pensei por diversas vezes se eu deveria dar uma resposta aos arrazoados da ilustre pastora. Minha tendência, por ser um homem que já passou das 5 décadas de vida, é deixar de lado e colocar tudo na sacola do amor, como aprendi com meus queridos irmãos quakers, com quem tenho íntima relação nas noções de vida interior e espiritualidade mística. Mas, aconselhado por meus queridos irmãos de caminhada, dentre eles cito David Dyer, cujo ensino ainda molda minha vida interior, ficou entendido que a “sacola do amor” poderia incluir uma resposta branda e amorosa que contemplasse os leitores com um debate cheio de fraternidade e amor cristão, que poderia incentivar outros a assim fazerem. Portanto, vamos ao que interessa!

Para facilitar, vou fazer ponto por ponto, citando apenas as partes em que eu sou citado, a fim de facilitar a resposta e ser o mais justo possível com os arrazoados da pastora, com a citação completa da parte que farei a resposta.

Falo do artigo publicado em 14 de fevereiro, assinado por Alexandre Gonçalves, que é pastor da Igreja de Deus  e colunista do The Intercept Brasil. Também é um dos líderes do grupo Cristãos Trabalhistas, ligado ao PDT. Foi ordenado em 1994, tendo sido antes missionário atuando em Cuba com implantação de grupos caseiros e, posteriormente, em comunidades carentes do Rio de Janeiro[1]. Bacharel em teologia e direito e licenciado em letras, sua paixão é a teologia prática. Especializado em implantação de igrejas pelo SEMISUD em Quito, aprendeu os princípios do que chama de “teologia do pobre”. Além de pastor, é servidor público e diretor parlamentar do Sindicato dos Policiais e Servidores da Polícia Rodoviária Federal em Santa Catarina (SINPRF-SC)

Transcrevo o curriculum do Pastor Alexandre, porque esta é uma característica bem típica de muitos pastores evangélicos progressistas, um currículo vistoso. Ao contrário de Lusmarina que em sua modéstia, se apresenta como teóloga e pastora luterana, doutora em direito e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ.

Sempre achei meu currículo muito singelo, tendo em vista meus mais de 50 anos de vida e quase 3 décadas de ministério pastoral. Não sou doutor e meu mestrado ainda nem foi reconhecido, pois fiz em nossa instituição confessional em Quito e nunca tive a pretensão de reconhecer, pois não vivo da vida acadêmica. 

Também não sou “pastor progressista”, de forma alguma. Se a pastora Romi procurasse com cuidado, veria que tal qual meu amigo Antônio Carlos Costa, tenho um pé no conservadorismo e outro no progressismo. Minhas referências políticas estão descritas na obra de Alberto Pasqualini, cujo legado se originou da Doutrina Social da Igreja, tão bem traduzida aqui por Pasqualini, sendo a base teórica do trabalhismo brasileiro, que governou esse país até ser extirpado do poder pela ditadura. Tentamos repor o “fio da história” com Brizola, mas a esquerda progressista representada pelo PT, em conjunto com as forças do atraso, que sempre dominaram esse país, não deixaram que a história brasileira continuasse seu rumo, dentro de uma perspectiva tão sonhada por Darcy Ribeiro, onde o “Povo Brasileiro” seria o protagonista desse mundo. Portanto, pastora Romi, sou opositor da “cria de Golbery e, portanto, não sou o progressista adjetivado pela pastora. 

Currículo por currículo (e se isso é machismo ou sinal de patriarcado ou carteirada), a pastora tem um currículo muito mais brilhante que o meu, o qual admiro. E, finalizando essa parte, o currículo não foi colocado por mim, mas pelos editores do Observatório. Não costumo usar currículos em meus textos, basta ver meu singelo blog.

O pastor Alexandre, sem conhecer Lusmarina, de cara resumiu a carta como “cobrança de fatura”. Ele não mede esforços para desqualificar e deslegitimar as preocupações de Lusmarina, escritas depois de longas reflexões e conversas com colegas que, como ela, partilham análises semelhantes. Não sei quem é o pastor Alexandre, além do seu currículo apresentado no Observatório Evangélico, mas a impressão imediata é a de que seu texto apresentou uma falácia elementar da lógica de argumentação. Trata-se do argumento ad hominem que consiste em atacar a pessoa ou algum aspecto da pessoa que está elaborando o argumento ao invés de considerar o argumento em si.

Gostaria que a irmã me dissesse onde fiz qualquer ataque à pessoa da pastora Lusmarina. Talvez seja bom eu ajudar a encontrar no texto a ocasião em que eu me refiro à pastora. Pode ser na parte em que eu digo: “Eu teria muito mais afinidade no campo das ciências sociais e humanas com a pastora Lusmarina do que com o pastor Yago Martins”, ou quando eu digo: “Bom, eu vou fazer o papel da pastora Lusmarina, como se eu fosse ela e tivesse o acesso que ela tem, ainda que diminuto, ao governo e vou fazer o papel do Lula, como se eu fosse presidente e pegasse um país rachado como o nosso. Desde já, peço perdão pela minha dupla ousadia, pois não quero nem de longe me comparar a essas duas grandes personalidades”. Acho que a pastora Romi não considerou o teor da minha crítica e ficou com visão de túnel em decorrência de sua amizade ou afinidade com a pastora Lusmarina. Isso eu entendo e já ocorreu comigo quando respondi críticas feitas ao pasqualinismo. Mas, não retira o fato de que eu, em meu texto, JAMAIS faço qualquer adjetivação à pastora Lusmarina. Minhas críticas são conceituais e não pessoais. Sigamos.

A contradição entre ser pastor e ser progressista já se expressou na fotografia que ilustrou o artigo do pastor Alexandre. Nela, Lusmarina estava em primeiro plano e, em segundo plano, aparecia a imagem de um Jesus triste, de olhos cabisbaixos. É típico da cultura patriarcal expor as imagens das incômodas filhas de Eva que ousam expressar suas sabedorias madalenas. Faz lembrar as práticas da inquisição que acusava e assassinava mulheres dizendo serem “bruxas depravadas”, quando, na verdade, eram mulheres com conhecimento, autonomia e liberdade de pensamento. A interpretação que fiz da imagem foi a de um Jesus descontente com a desobediência de sua discípula.

Aqui a pastora pegou pesadíssimo e quase adentrou em um terreno de julgamentos temerários, os quais Jesus repudia de forma veemente no Evangelho de Mateus, capítulo 7. Eu não tenho quaisquer ingerências sobre as imagens que são colocadas nos textos que eu envio ao Observatório. Aliás, já escrevi para o The Intercept, para a Folha de São Paulo, BBC Brazil e diversos outros periódicos e JAMAIS enviei imagens, apenas o texto nu e cru. Usar isso para atacar seu interlocutor ou a pessoa a quem diriges seu arrazoado é exatamente fazer aquilo do que me acusas de fazer e que eu não fiz. Usar uma imagem que eu nem tive qualquer decisão de colocar no texto demonstra a necessidade de fugir da resposta aos meus basilares argumentos, que dizem respeito a estratégia política e não de preferência política. Talvez, a falta de compreensão disso, faz a pastora sair da santidade e entrar no terreno do julgamento precipitado. E foram 2 parágrafos sobre isso, apenas para me desqualificar. Isso não é o uso mais perfeito da falácia ad hominem de que me acusa? E o furor chega ao ponto de me acusar de uso indevido de imagem, como descrito abaixo:

Não sei se a foto do jornal O Globo é de domínio público e se houve autorização para a sua publicação, mas sei que não se pediu autorização à pastora Lusmarina para o uso de sua imagem. Algo típico do patriarcado, que naturaliza a exposição das mulheres sem que autorizem, pois se julga dono de nossas imagens e de nossos corpos.

Patriarcado? O que isso tem a ver com meu texto? Pastora, volte aos arrazoados sobre o conteúdo do que escrevi. Ser mulher, não dá imunidade para críticas e ser homem jamais poderia ser motivo para que houvesse tibieza para criticar. Esqueça o carteiro e se ponha a ler a carta! Alguém que ama a criação de Deus, de forma principal, a criação humana, jamais deve se referir ao seu próximo de forma tão violenta, como se fossemos inimigos. Somos irmãos e toda crítica aos argumentos e às condutas devem ser bem recebidas. Prossigamos.

O texto do pastor Alexandre traz inúmeros outros elementos preocupantes. Destaco o que considero como principal e que está relacionado à temática da justiça sexual e reprodutiva de meninas e mulheres e à descriminalização das drogas. Segundo o pastor, 90% das pessoas evangélicas são contrárias a estes temas. É uma colocação rasa e desprovida de dados e de fontes. Em 2023, o Latinobarometro realizou uma pesquisa no Brasil. Os respondentes, precisaram se identificar se, em termos de prática religiosa, se consideravam muito praticantes ou pouco praticantes. Os resultados da pesquisa revelaram que, 59,5% das pessoas que se identificaram como praticantes de uma religião e 67,8% que se consideraram muito praticantes avaliaram que a igualdade entre homens e mulheres é pouco ou nada garantida no Brasil.

Graças a Deus, entramos na crítica aos meus argumentos. Agora dá gosto de escrever meus singelos contrapontos. De fato, fiz uma inferência que julgo lógica para chegar nesses números. Vamos lá. 

Em pesquisa do IPEC, 70% dos brasileiros são contra o aborto ser legalizado. Veja, que a pesquisa se refere aos brasileiros de forma geral, sem identificar sua religião ou ausência dela. Na pesquisa Quaest, esse número aumenta para 72% dos brasileiros sendo contra a legalização do aborto. Cito o aborto, pois é o tema mais controverso e que é constantemente usado pela extrema direita dita cristã como espantalho a fim de fazer com que a esquerda perca a popularidade de seu discurso. Sendo assim, por inferência, eu disse que entre cristãos essa desaprovação pode chegar a 90%. Como não disponho de dados estratificados por religião, mas disponho dos dados do censo de 2010, em que quase 90% se declaram cristãos no Brasil, podemos dizer que essa reprovação aos temas que de alguma forma tem conotação moral, partem de uma desaprovação de mais de 70% no geral e podem chegar, segundo minha inferência, a 90% no meio cristão. Isso não é raso. As eleições majoritárias mostram isso. Todos os candidatos identificados com esse tipo de discurso sobre temas como aborto, legalização de drogas e etc, sucumbem no segundo turno. Lula, por ser um político hábil, nunca se deixou enredar por esse discurso. Por isso, é o trunfo do PT para vencer eleições nacionais majoritárias. Mas, a pastora não entrou nesse mérito ao me responder. Ela se utilizou de uma pesquisa que se refere à igualdade no tratamento entre homens e mulheres. Será que a pastora não sabe que as igrejas pentecostais, que são a maioria das igrejas evangélicas, as mulheres exercem majoritariamente funções de liderança? Isso é histórico pastora Romi! No Brasil, temos até “bispas” e “apóstolas”, tomando por base as estruturas das igrejas neopentecostais. Não dá pra falar com base nesses dados, que minha análise é “rasa”. Continuemos.

Alguém pode dizer que os dados acima se referem à igualdade entre mulheres e homens e não sobre o aborto. Pois bem, uma pesquisa realizada, em 2023, pelo Lapop[4] no Brasil, perguntou às pessoas entrevistadas se elas “acreditam que se justifica a interrupção da gravidez, ou seja, um aborto, quando a saúde da mãe está em perigo, 65,8% responderam que sim, se justifica, contra 29,5% que responderam que não se justifica. Olhando estes números por grupo de pertença religiosa, temos que, 79,5% dos protestantes tradicionais, justificam a interrupção da gravidez quando a saúde da mãe está ameaçada. Entre os evangélicos pentecostais, 61, 6% consideram que a interrupção da gravidez é justificável quando a saúde da mãe está em perigo. Portanto, os 90% do pastor Alexandre devem ser uma questão de fé, uma vez que ele não revelou a fonte deste dado.

Fé eu sei que eu tenho, mas ela não é uma fé alienadora a ponto de eu usar os mesmos dados que a pastora está usando em seu arrazoado contra meu texto. Ela se refere à interrupção da gravidez QUANDO A VIDA DA MÃE ESTÁ EM RISCO. Jesus, Maria, José e o Burrinho, isso é muito diferente! Entre evangélicos, historicamente no Brasil, essa sempre foi uma razão aceita majoritariamente. Para isso ficar claro, vou citar uma pessoa que me odeia com todas as forças e que me conhece há 28 anos, pastor Silas Malafaia. Ele mesmo, o torquemada do nosso século. Ele diz: “Quando há na gestação o risco à vida da mãe, se dá preferência à mãe. Aí não é aborto, é escolha de vida. Vive o ser que tem relacionamento social. Isso é perfeitamente razoável”.  

No afã de desqualificar meu argumento, o que é muito sadio, a pastora Romi usa um argumento estapafúrdio, onde de fato há consenso entre os evangélicos, até entre excrescências como o sr. Silas Malafaia. Entenda que eu não faço nenhum juízo de valor de nenhuma dessas causas. Posso fazer em outro texto, com colaboração de minha querida companheira de militância política, Heloísa Helena.

 No meu texto, pastora Romi, eu apenas traço uma estratégia política fracassada, e que foi responsável em grande parte pela vitória da extrema direita no Brasil. Eu tento ajudar com uma rota para evitarmos de cair no mesmo erro de ontem. Não se melindre com isso, pois não entrei no valor de nenhuma das causas transversais a que me referi. Apenas disse que estas não podem pautar o debate político de eleições majoritárias no Brasil. Sigamos.

O pastor Alexandre tem absoluta convicção de que o povo pobre preto e evangélico das periferias não quer falar sobre aborto e nem sobre a descriminalização das drogas. Como teóloga feminista desconfio e suspeito de afirmações tão categóricas, especialmente porque sabemos que os jovens negros e pobres são presos e assassinados por serem os primeiros suspeitos da polícia de portarem maconha e similares. Da mesma forma, segundo Pesquisa Nacional do Aborto, de 2016, coordenada pela antropóloga Débora Diniz, entre as mulheres que abortam no Brasil, 25% são evangélicas e 56% são católicas[5].

Desculpe, mas eu refuto essa pesquisa. Não por ela ser antiga (2016), mas por dois fatores muito simples. A coordenadora da pesquisa, Débora Diniz, é militante pró aborto, que conta com financiadores liberais, tal qual a Open Society do bilionário capitalista George Soros e da Safe Abortion Action Fund, mantida por liberais ingleses e holandeses. Tudo isso está em seu currículo aberto ao público na plataforma lattes, não se tratando de teorias conspiratórias 

Sua PNA (pesquisa nacional sobre o aborto) é realizada por ela mesma. Seria como se eu fosse um Banco e fizesse uma pesquisa para saber se as pessoas acham razoáveis as taxas de juros dos bancos e a pesquisa dissesse que 40% das pessoas acham as taxas razoáveis. Se chegasse a 20% já seria surpreendente, para não usar algum adjetivo relacionado à malversação dos dados. 

O segundo motivo é que, mesmo considerando que a pesquisa seja idônea e não uma mera confirmação de interesses ideológicos, os dados que a pastora insere em seu texto dizem respeito às pessoas que abortaram e não às pessoas que concordam com a legalização do aborto. Basta ser pastor por apenas 10 anos (eu já sou há 29 anos) que você vai saber de alguns casos de aborto em sua igreja e os motivos são diversos. Desde a moça que estava namorando e que engravidou e o seu namorado a obriga a abortar usando remédios ilegais, até o pai, o noivo ou marido que, pensando em sua “honra” e “moral cristã” na igreja, prefere que sua filha ou esposa interrompa a gravidez a ter de lidar com um caso de fornicação ou adultério. Não acredito que foi desonestidade usar esses dados; acredito mais uma vez na “visão de túnel” do furor argumentativo, que fez a pastora, em atitude desesperada, usar os dados que tinha, mesmo que eles não tivessem qualquer relação com o que eu escrevi. Vamos continuar, que ainda falta muita coisa, pois sou fartamente citado.

Pelo visto, o Pastor Alexandre não desconfia que as mulheres pobres e evangélicas periféricas fazem a interrupção de gravidez sem contar para os seus pastores. Elas também sabem ser filhas de Eva do seu próprio modo, no seu próprio tempo e local. 

Aqui ela mais uma vez usa um caso que apenas comprova o que eu mesmo havia dito em meu texto. Ela se refere ao caso da mãe de uma filha vítima de abuso e que teve decisão judicial favorável à interrupção de sua gravidez, sofrendo consequências graves de grupos evangélicos ligados à extrema direita, que foram até o hospital fazer protestos. O movimento Cristãos Trabalhistas, o qual tenho a honra de ser o fundador, fez uma nota clara de repúdio a esses grupos extremistas. Agora, daí a dizer que isso tem relação com sentença posterior, falando de gravidez interrompida por mulheres pobres, sem o conhecimento de seus pastores, parece uma argumentação totalmente sem sentido. Até porque, um fato não tem relação nenhuma com o outro. O primeiro, diz respeito a uma interrupção de gravidez com ordem judicial, dentro dos ditames das leis atuais e o outro de interrupções por motivos aleatórios. Ademais, o argumento da pastora apenas reforça meu argumento de que, o que eu chamo de “moral do povo”, ainda que seja um conceito subjetivo, tem tendência, ainda que hipócrita, de repudiar discutir sobre esse tema e POR ISSO, somente POR ISSO, eu ACONSELHO a não entrar nessas “bolas divididas” em campanhas majoritárias, sem eu fazer, mais uma vez JUÍZO DE VALOR do assunto.

Em relação à descriminalização das drogas, as pesquisas realmente apontam que 61% das pessoas católicas são contrárias e 22% dos católicos são favoráveis. Entre a população evangélica, 63% é contrária e 18% favorável. No entanto, estes dados não podem servir de argumento para interditar o debate público sobre o assunto. Não esqueça, pastor Alexandre, o Estado é laico!

Mais uma vez, a pastora Romi corrobora meus argumentos. De fato, o tema da descriminalização das drogas é algo que é rejeitado por uma maioria de cristãos. O problema é que a pastora usa um espantalho argumentativo que força um ponto que eu jamais lancei. Em nenhum momento eu disse que esses temas não devem ser debatidos. Procurei em meu texto e não achei. Eu disse que eles não devem ser debatidos em eleições majoritárias e que não podem ser o carro chefe ideológico da esquerda. Isso é tão claro quanto o fundo branco desse texto. O lugar para esse debate é no congresso nacional e sua aprovação ou não deve ser por plebiscito e referendo, como indica nossa constituição. 

Por isso, leituras altamente academicistas e descoladas da realidade do Brasil mais profundo, ou seja, aquele das periferias e das zonas rurais, do interior, só servem de munição à extrema direita dita cristã, que nada de braçada nessas pautas, escondendo e fugindo do debate que vai de fato emancipar o povo, a saber, o gargalo econômico que os juros da dívida dado aos bancos provocam na falta de investimentos públicos, que poderiam fazer com que os pobres sejam emancipados e o Brasil seja soberano. A auditoria da dívida, luta quixotesca da Maria Lúcia Fattorelli, que deveria ser abraçada pela esquerda ou campo popular, ou campo progressista, seja que nome quiser dar, é deixada de lado para a transversalidade de pautas, que poderiam ter a maior parte de seus anseios resolvidos se nosso povo saísse da colonização do sistema financeiro. Isso, para mim, é tão cômico quanto ambientalistas defenderem a preservação da natureza e seu manejo equilibrado sem combater o capitalismo rentista e cruel, responsável por esse desequilíbrio. Ou seja, isso nada tem a ver com minha visão de estado laico, que a pastora sabe ou deveria saber, que tenho. Tem a ver com o lugar e a prioridade do debate em um país pobre, com direitos trabalhistas vilipendiados, previdência social que atinge menos de 60% da população e que vai estourar em uma onda de idosos desamparados e morando nas ruas daqui a 30 anos, tal qual ocorreu no Chile. Repetindo: Lugar e Prioridade, apenas isso.

Ele é ainda mais enfático e se pergunta se temas como aborto e descriminalização das drogas são pautas de esquerda. E responde: “Não, nunca foram ou deveriam ter sido. Essas são pautas liberais, assimiladas pela esquerda norte-americana e importadas pela nossa esquerda moderna e que não dialogam com o povo do Brasil profundo”. Segundo ele, é trabalho de um certo evangelismo progressista encontrar os pontos em que o diálogo é penetrável e que não colidam com a moral do povo, outra expressão vazia.

Não, não é e nunca foram temas históricos na esquerda. Esses temas são liberais. Esse ponto, a pastora não refutou, pois é historicamente irrefutável. Mas, mais uma vez, a pastora se limitou a destacar uma expressão periférica do meu argumento: a moral do povo, chamando de expressão vazia. Vamos continuar no texto, que ela ilustra melhor seu periférico argumento.

A “moral do povo” são os valores sociais, muitas vezes, reacionários que vem da ideologia das elites dominantes. Por essa razão, quase 30% da população brasileira (dados da WVS), em uma sociedade em que mais de 50% são mulheres, considera que homens são líderes políticos melhores do que as mulheres e que mais de 30% da população, considera que o exército deve assumir o poder quando o governo é incompetente.  É esta moral que o pastor Alexandre defende?

O progressismo do pastor Alexandre significa “usar os temas indispensáveis à emancipação dos pobres (saúde e educação pública e universal, impostos progressivos, emprego formal, transporte público e etc), que, segundo ele, a adesão é majoritária e dialogar com as lideranças cristãs dos bairros, das pequenas e médias igrejas com a linguagem que o povo entende, sem querer “catequizá-los” com os iluminismos das ideias dos “iluminados” da esquerda cristã academicista.

Agora chegamos no ponto lisérgico da argumentação. Repito, da argumentação e não da argumentadora. 

Veja, a “moral do povo” que ela diz ser vazia, elegeu a maior bancada de extrema direita da história, desde a volta da democracia. Vou argumentar aqui e peço a paciência dos leitores, pois muitas vezes sou prolixo. Perdoem-me por isso. 

O que Bolsonaro fez em seu passado que o elevou a ser o maior líder popular na pós-democratização depois de Lula? Cite uma obra, um feito dele. Existe? Não, não existe. Existiria Bolsonaro se não houvesse um total desapontamento com a política nos últimos 20 anos? E quem governou nesses últimos 20 anos o nosso país? Foi a extrema direita? O que alçou Bolsonaro ao poder, foram seus feitos? Claro que não! Foi uma mistura de desapontamento com uma esquerda que não tratou de emancipar o povo pobre, pois manteve a mesma política econômica neoliberal de FHC (que defende descriminalização de drogas e aborto, mas isso é outro capítulo rsrs) e a tal defesa dessa “vazia” “moral do povo”. Portanto, ela não é tão vazia, pois produziu uma corrente de pensamento que elegeu um presidente e lotou o congresso nacional com a maior bancada.

A parte lisérgica da argumentação é o uso de uma pesquisa sobre a qualidade de lideranças femininas, segundo nossa população. O que isso tem a ver com meu argumento de que essas pautas, liberação de drogas, aborto são liberais e não originalmente de esquerda? Eu não fiz juízo de valor dessa “moral do povo”. Eu apenas faço uma constatação. É vazia? Certo. Então, me diga o que fez o povo votar em Bolsonaro? Não diga que foram as “fake news” que isso, por si só não explica. Há uma engenharia social que explica isso bem melhor e que tem tudo a ver com meus argumentos do texto que escrevi e que a pastora acha que foi uma crítica pessoal à pastora Lusmarina. Podemos conversar sobre isso em outro momento e meus contatos estarão à sua disposição.

Quanto ao “progressismo do pastor Alexandre”, quero dizer mais uma vez que não sou “progressista”. Aliás, esse adjetivo não tem sentido nenhum pra mim hoje, pois não quero ser identificado no mesmo conjunto de progressistas que defendem a luta justa dos negros por sua emancipação, mas fazem coro a esquerda que mais encarcerou negros nos últimos 16 anos, copiando a lei de combate às drogas do DEA americano. Se isso é ser progressista, eu não sou! Minha luta tem a ver com o que está escrito logo após seu sarcasmo: “…usar os temas indispensáveis à emancipação dos pobres (saúde e educação pública e universal, impostos progressivos, emprego formal, transporte público e etc), que, segundo ele, a adesão é majoritária e dialogar com as lideranças cristãs dos bairros, das pequenas e médias igrejas com a linguagem que o povo entende, sem querer “catequizá-los” com os iluminismos das ideias dos “iluminados” da esquerda cristã academicista”.

Novamente o pastor Alexandre ignora os dados da realidade. O povo não é desprovido de opinião e nem de visão sobre o mundo. Uma pesquisa com grupos focais e entrevistas em profundidade da Fundação Perseu Abramo na periferia de São Paulo[6] revela percepções que nos fazem entender a aderência da periferia aos valores neoliberais. Um dos resultados é o entendimento de que o principal inimigo é o Estado e que todos, patrões e empregados, são vítimas do Estado que cobra impostos excessivos. Há também forte desejo de visibilidade e valorização pessoal. Não querem ser vistos como trabalhadores e seu desejo maior é ser ‘alguém na vida’. Há uma sobrevalorização do mercado em detrimento do Estado.

Eu não disse que o povo não tem opinião. Ao contrário, disse que tem e essa passa por entender e acreditar em coisas básicas como o fato de que o estado tem de cuidar de sua saúde, educação de seus filhos e de sua segurança. Isso é básico para quase 100% de nossa população. Agora, a pastora tem de se decidir: ou as ideias do povo são resultado de uma elite reacionária, pois vem da “ideologia das elites dominantes”, como você disse em seu texto, ou o povo tem sua sabedoria independente. Se decida pastora, pois os dois conceitos, de forma geral, não podem conviver. Novamente, a pastora não desfaz o conceito que eu trouxe à tona de quais devem ser os temas centrais da esquerda. Continua circulando sem fazer argumentações contrárias ao que eu argumentei como estratégia política e base da esquerda, a saber, redução da desigualdade por meio do estado.

Além disso, o pastor Alexandre demonstra grande desconhecimento em relação aos trabalhos diaconais da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), que este ano celebra 200 anos de presença em território brasileiro, e da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), ao afirmar “não me lembro de ver igreja luterana ou anglicana nesses locais mais pobres”.

É típico de um certo evangelismo autocentrado e com síndrome salvacionista julgar ou, se valer de sua comunidade religiosa como moeda de troca para obter privilégios. Para ampliar o conhecimento do pastor Alexandre, posso afirmar que ambas as igrejas têm um trabalho engajado, tanto nas periferias urbanas, quanto rurais.

Nesse caso, mais uma vez vou fazer alusão à visão de túnel  que deve ter acometido a interpretação de texto da pastora Romi. Vou ter de citar meu texto e mostrar que ele é uma fala representando o presidente Lula, como se ele estivesse falando. Olha o que eu escrevi: 

Mas, agora, vamos imaginar o que o presidente Lula poderia dizer.

“Querida pastora Lusmarina, posso até estar equivocado em permitir que as igrejas sejam intermediárias de políticas públicas, mas acredito que nas comunidades pobres o que mais tem são assembleias de Deus e outras igrejas pentecostais. Não me lembro de ver igreja luterana ou anglicana nesses locais mais pobres.

Ou seja, fiz uma fala alegórica como sendo o Lula, alguém de fora do meio evangélico dando sua opinião. E isso não está descolado da percepção popular. 

Meu primeiro pastorado, foi como ministro exortador (nome que nossa denominação dá ao pastor estagiário) auxiliar na Igreja de Deus de Jacarezinho. Isso foi no início da década de 1990. Lá dentro só havia igreja católica, centro espírita, assembleia de Deus e a nossa igreja, situada na rua Vieira Fazenda. Não havia nenhuma igreja reformada ou histórica protestante. Somente pentecostais como nós. No Borel, onde ajudei a construir a creche Semente, a mesma coisa. No Santa Marta, em Botafogo, onde fizemos uma unidade de saúde quando eu era missionário pela Jocum, a mesma coisa. Isso não quer dizer que não exista, não falei isso. Mas, que o trabalho é muito pequeno perto do trabalho das igrejas pentecostais, fundadas pelo povo simples daqueles lugares. 

Em nossa humilde igreja, as irmãs e irmãos se sentiam dignos. Tinham seus grupos de música, teatro, participavam como líderes de jovens, de escola dominical. Era um lugar de resgate da dignidade. O conceito que evoco aqui é daquele velho adágio popular que se diz que, onde não existe um Bradesco, Coca-Cola e uma Assembleia de Deus, aquilo não é uma cidade.

Doravante, a pastora faz uma relato de todos os trabalhos sociais das igrejas históricas, tangenciando mais uma vez o centro dos meus argumentos, em mais um espantalho criado para não entrar no mérito daquilo a que me referi em meu texto. Vou me ater aos pontos em que sou citado.

Pastor Alexandre fala das igrejas evangélicas que estão nas periferias. É verdade que estão, mas temos que nos perguntar: onde foram parar os terreiros e as expressões do catolicismo popular na medida em que estas igrejas cresciam? Por que elas não conseguem conviver com outras expressões de fé? Por que se tornam hostis? Além disso, por que a estética das periferias mudou? Antes se encontravam alusões aos orixás, à religiosidade popular católica e hoje, tudo o que se vê são muros pichados com “Só Jesus salva”, “este território pertence ao senhor Jesus”, “leia a bíblia”, entre outras frases. Por que pessoas praticantes do Candomblé e da Umbanda não podem mais andar com suas contas e vestimentas características por medo de serem ameaçados ou, até mesmo, agredidos fisicamente? Por que os seus lugares de culto são destruídos?

Parece-me que a realidade tende a ser muito mais carregada de nuances do que as certezas do pastor Alexandre. A assim chamada população evangélica é plural, tem sabedoria, muda de opinião quando acessa livremente as informações, e sabe debater.

Agora estou estupefato com esses argumentos. Além de fugirem do tema principal que motivou meu texto, a saber, a “fatura” que a pastora Lusmarina cobrou de Lula, com grande viés preconceituoso para com as igrejas das periferias, como se elas tivessem de ser tuteladas por um conselho de sábios, e o risco de se perpetuar o erro de dar ênfase às pautas transversais e não se discutir as causas da desigualdade, se discute o resultado cultural da presença majoritária das igrejas evangélicas nas comunidades? Isso é um fato pastora, um fato que não temos como escapar, na medida em que a esquerda academicista discute se a estátua do Borba Gato deve ou não ser queimada e deixa, ao mesmo tempo, fluir para os bancos 51% de toda a riqueza bruta que esse país produz, não sobrando nada para investir em saúde, educação e transporte, por exemplo. Mas, vou entrar nos temas que você colocou pastora. 

Vamos ao artigos 18 e 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que diz expressamente o seguinte:

Artigo 18

Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de credo, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou credo, sozinho ou em comunidade com outros, quer em público ou em privado, através do ensino, prática, culto e rituais.

Artigo 19

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras.

Pastora Romi Bencke, será que essas mudanças culturais nas comunidades não são resultado da manifestação livre da fé dos irmãos pentecostais em suas comunidades? Esses irmãos não acreditam com isso que estão cumprindo o Ide de Jesus ao manifestar publicamente sua fé, como a declaração acima diz ser direito humano básico? O artigo 12 da Convenção Americana dos Direitos Humanos também vai nesse mesmo sentido:

Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião

Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.

Então, pastora, você acha razoável o Lula aceitar as ideias da pastora Lusmarina de tutelar direitos básicos do povo? Leia a carta, onde ela fala até de regular a atividade pastoral. Você acha que essa fatura o Lula, com a inteligência popular que ele tem, ele vai pagar? Por isso, somente ele se elege como presidente do país no PT.

Portanto, é natural que numa comunidade em que se cresce a fé evangélica (e nem estou aqui falando da qualidade dessa fé), que se diminua as representações de outras religiões. Isso se chama evangelismo e o povo tem de ser livre para seguir a religião que ele quiser, sem ser tutelado. Lembre, o estado é laico pastora. Para terminar, cito o ministro do STF, Edson Fachin, em decisão a um recurso ordinário em habeas corpus:

O proselitismo, portanto, ainda que acarrete incômodas comparações religiosas, não materializa, por si só, o espaço normativo dedicado à incriminação de condutas preconceituosas. Referida ação constitui não apenas desdobramento da liberdade de expressão religiosa, mas, mais do que isso, figura como núcleo essencial desse direito, de modo que negar sua prática configuraria, inafastavelmente, excessiva restrição às liberdades constitucionais.

Portanto, a proposta colocada pela pastora Lusmarina em forma de carta aberta é autoritária e contraria decisões de cortes internacionais e da nossa suprema corte. Não tem como Lula aderir a essa proposta de tutela estatal. Agora, vamos voltar às argumentações lisérgicas, que não guardam nenhuma relação com o que eu escrevi.

Pastor Alexandre defende a agenda moral rígida em nome dos evangélicos da periferia, mesmo que estas agendas matem, diariamente, especialmente mulheres, jovens e crianças também evangélicas na guerra insana do tráfico de drogas, e jovens evangélicos em conflito com suas sexualidades, pelo suicídio.

Onde eu defendo essa agenda moral rígida? Acho que a pastora deixou, de novo, que a visão de túnel impedisse uma lúcida análise do que eu escrevi. Eu não fiz juízo de valor de nenhuma moral. Meu texto em nada tinha a ver com defesas morais. Um pastor como eu, influenciado por uma espiritualidade mística pentecostal e quaker jamais acredita que, através de defesa de padrões morais, alguém alcança sua espiritualidade e muito menos defende que, qualquer padrão moral, seja imposto ao conjunto de uma população. Acho que meu texto deixa claro que meus pontos são a estratégia política eleitoral em eleições majoritárias e o ponto principal de convergência do campo popular, a saber, a luta contra a desigualdade, com a emancipação do povo pobre através do estado, com trabalho dignamente remunerado e com todos os seus direitos sociais e previdenciários garantidos. Esses são os pontos

Em seguida, a pastora faz uma defesa livre (pois, de minha parte nem precisava) da pastora Lusmarina e do que ela chama de “filhas de Eva” (também o sou e agradeço a defesa) e não faz citações diretas a mim, apenas indiretas, tentando relacionar um certo progressismo (que ela acha que se relaciona a mim) à morte de mulheres. Meio dramático, valendo como um bom texto poético.

Adiante ela fala da ideia de Lula de usar as igrejas evangélicas como agências sociais. A pastora, equivocadamente, acredita que eu concordo com isso. Mas, esse equívoco tem responsabilidade minha no texto, pois eu, deliberadamente, omiti meu nome em uma situação que cito do governo Garotinho. Vou recuperar meu texto. 

Nessa parte, eu uso uma alegoria como se eu fosse a pastora Lusmarina escrevendo uma carta ao presidente Lula. 

Querido presidente Lula, sendo eu do Rio de Janeiro, acompanhei o início do governo Garotinho, cuja vice era uma dileta irmã e companheira de partido, Benedita da Silva. Garotinho teve uma ideia: deixou a entrega do cheque cidadão (o precursor do atual bolsa-família) para que as igrejas cadastrassem as pessoas e fizesse a distribuição. Lembro até que um pastor pentecostal, filiado ao PDT, um tal de pastor…não lembro o nome, foi contra isso e rompeu com seu apoio ao governo estadual.

Esse pastor, cujo nome omiti, era eu mesmo. Eu apoiei Garotinho e Benedita no Rio de Janeiro. Estava no comitê de campanha como filiado ao PDT. Não usei igrejas e nem as instalações destas para a campanha, apenas minha luta pessoal. Quando Garotinho ganhou, fui chamado para ser do conselho de políticas sociais do governo. Quando veio essa ideia escabrosa, eu rompi. Cheguei a me desfiliar do PDT e ficar sem nenhuma filiação partidária, voltando apenas em 2010, apoiando Marina como presidente. Portanto, não preciso explicar mais nada sobre minha posição acerca do uso de igrejas para ações estatais. Diferentemente da pastora Lusmarina, que acredita que o Lula deveria escolher melhor as igrejas que ele vai fazer esse tipo de associação, eu acredito que não deva ser feita com nenhuma igreja. Nesse ponto, sou mais laico que a pastora Lusmarina.

Agora, veio uma insinuação grave que a pastora Romi Bencke fez de meu histórico como missionário em Cuba. Vamos ver.

Aqui insiro uma nota de rodapé. Morei em Cuba e sei que muitos projetos de implantação de igrejas tinham como um dos objetivos desestabilizar o governo cubano, não sei se este foi o caso. Muitos destes projetos receberam fartos recursos de igrejas norte-americanas apoiadoras do bloqueio imposto pelos EUA. À época eu tinha forte relação com o Centro Memorial Martin Luther King Junior e com a Igreja Episcopal Anglicana de Cuba, ambas as organizações se inspiravam nas comunidades eclesiais de base brasileiras para realizar seu trabalho popular e eram apoiadas pelo movimento Pastores por la Paz, que reunia representações de igrejas norte americanas que denunciavam o bloqueio do governo americano contra Cuba.

Esta é uma nota de rodapé à citação que ela fez de meu currículo, na parte em que é descrito que eu morei em Cuba e trabalhei com implantação de Igrejas. Ela insinua que meu trabalho poderia receber recursos americanos para desestabilizar o governo cubano. 

Essa, talvez, seja a parte mais triste do texto da pastora Romi Benke e que me trouxe emoções tristes, com a minha falecida esposa e filha, Mirian e Rebeca, que estavam comigo nessa empreitada em 1996 e sofreram comigo. Geralmente, as pessoas tentam julgar as outras pela régua delas mesmas. Como eu jamais vendi minha consciência, não posso deduzir que outros o façam. 

Eu e minha esposa, com nossa filhinha de apenas 1 ano, fomos com parcos recursos de amigos aqui do Brasil, que perfaziam na época, 500 reais mensais. Isso dava 500 dólares ao mês, pois estávamos na época em que o dólar e o real estavam com o mesmo valor. Em Cuba, naquela época, um médico ganhava 23 dólares. Um engenheiro, 20 dólares. Fiquei no meio do povo e aqueles 500 dólares mensais davam pra ajudar muita gente. Como era proibido implantar novas igrejas naquela época, eu fiz o que se chamava “Casas Culto”, que nada mais eram que igrejas nas casas, algo que faço até hoje. Em 1 ano, fiz 18 casas cultos em 3 cidades de Cuba. Foi o tempo de maior experiência de amor, cuidado e carinho que já tive daquele povo. Nunca mencionamos questões políticas naquelas casas culto. Era apenas a alegria da comunhão e do partir do pão. Tivemos de sair, apenas por causa de uma denúncia do CDR (comitê de defesa da revolução), composto por delatores do governo, que disseram que estávamos fazendo atividade religiosa irregular. Fomos levados ao aeroporto e mandados embora do país, deixando um legado de amigos e de mais de 200 irmãos cubanos que ajudamos em sua fé. 

Aprendi com meus irmãos quakers que o evangelho não se mistura com governos. Nem para apoiar nem para derrubar. E assim tem sido a minha vida. Meu apoio sempre vai até a eleição; depois, volto à praça dos profetas, onde sempre estarei ao lado do povo pobre quando o governo contra este se insurgir. Mas, eu perdoo a pastora. Ela, de fato, foi induzida a erro por seu fervor em defender de forma justa sua amiga. Fico sempre à disposição para o diálogo.

Texto originalmente publicado no Observatório Evangélico (https://www.observatorioevangelico.org/)

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